domingo, 1 de novembro de 2009

O PSOL e as eleições de 2010 – um debate de concepção

Por Hernandez Vivan, membro do PSOL Joinville


O PSOL debate as eleições de 2010 em um momento importante de sua história – ou, melhor, fundamental e decisivo. Após um Congresso Nacional que, se não permitiu o retrocesso, foi incapaz de significar avanços, o PSOL debate agora programa e candidatura para o pleito de 2010.

Nesse texto quero apenas iniciar um debate que ainda está sendo negligenciado e, talvez, indicar algumas formulações que sirvam como contribuição aos debates que antecederão a Conferência Eleitoral do PSOL, marcada para março de 2010.

Antes do programa e do perfil da candidatura me parece fundamental fazer a discussão acerca de “concepção” a respeito das eleições. Afinal, para quê participar das eleições? Como deve ser aproveitado o exíguo espaço institucional, devidamente loteado pelos partidos da ordem, sob a égide mais crua do dinheiro?

Nesse sentido, tentando evitar o pragmatismo, mas também as concepções francamente reformistas sobre as eleições, talvez haja ensinamentos de ordem geral dentro da tradição socialista do século XX. O debate eleitoral ou “parlamentar” não é novo e já encontrou diversas formulações dentro dessa tradição.

Uma visita rápida sobre documentos clássicos do socialismo encontra pelo menos três formulações, distintas entre si, pesando o elemento institucional de diversas maneiras e chegando a conclusões igualmente diferentes.

Uma delas, convencionalmente conhecida como “social-democrática”, talvez formulada por Bernstein, mas cujo peso central, certamente, foi dado pela contínua evolução e adaptação do Partido Social-Democrata Alemão à institucionalidade (vale lembrar: esse partido possuía cerca de 30 mil funcionários e centenas de parlamentares). Essa via observa nas eleições o momento privilegiado da luta política, operando uma cisão entre luta social e política. É conhecida a polêmica de Rosa Luxemburgo que pensava a greve geral como elemento constituinte da política dos comunistas, tática essa questionada por seus companheiros de partido como nociva à legalidade, duramente conquistada. Essa via acaba por negar o caráter de classe do próprio Estado, concebendo que o fundamental são os ocupantes dele, capazes, por sua vez, de levar a uma transição pacífica – ou mais ou menos pacífica – ao Socialismo.

Uma outra concepção aponta na recusa, de princípio, à participação das eleições o meio mais eficaz de consecução do objetivo socialista. Os mais emblemáticos representantes dessa tendência, historicamente, foram a facção abstencionista do Partido Comunista Italiano, liderada por Bordiga, e os “comunistas de conselhos” de modo geral (em certo sentido, também os anarquistas). A ênfase toda se dá na luta social revolucionária. O parlamento, segundo essa ideia, é apenas um “teatro da burguesia” cuja disputa apenas legitima a hegemonia capitalista.

Ambas as tendências acima surgem em momentos históricos distintos e, inclusive, antagônicos. A proposta majoritária do Partido Social-Democrata Alemão ganhou corpo no início do século passado até à metade da década de 10. O período da belle epoque, de estabilização do capitalismo. O avanço político, via parlamento, era real e contribuía para o Socialismo. Miragem desfeita, na verdade, em 1914 com a I Guerra Mundial.

A tendência que se consagrou, malgrado si própria, como “esquerdista” surge na época das revoluções proletárias, inaugurada pela Revolução de Outubro (mas não há de se esquecer as notáveis convulsões por todo o mundo, de corte socializante, como a Revolução Mexicana e a Revolução Húngara). A miragem oposta, de falência absoluta e completa do parlamentarismo, revelou-se nos decênios seguintes, também de razoável estabilização, vide o aumento monstruoso da social-democracia na Europa.

Uma tendência, no entanto, viveu esses dois momentos distintos. Com uma maleável tática e uma rochosa estratégia, os bolcheviques passaram incólumes ao ciclo de “traições” da social-democracia do início do século XX. Com a fundação da III Internacional, largamente impulsionada e inspirada pela revolução dirigida pelos russos, foram também acerbos críticos dos “esquerdistas”. Afinal, em que consistia a concepção acerca do parlamentarismo dos bolcheviques?

Talvez na expressão acima – maleável tática fundada em sólida estratégia – resida a quintessência da política eleitoral dos bolcheviques, que os levou a negar ambas as concepções anteriores. O documento O Partido Comunista e o parlamentarismo, aprovado no II Congresso da III Internacional, em 1920, elaborado por Lênin e Bukhárin, dá uma noção geral dessa política.

O documento é sintético, embora extremamente rico em questões e argumentos. Três ideias principais, no entanto, são as que conservam maior atualidade. A primeira delas é a não cisão entre luta social e luta política. Toda luta social é política na medida em que põe a autoridade do poder burguês em xeque. Para tanto, não necessita, de modo algum, estar ligada ao parlamento. Uma greve pode evoluir a uma situação de instabilidade institucional ampla; uma ocupação urbana pode pôr em debate toda a política habitacional e um governo contra a parede; a resistência a um aumento de tarifa do transporte coletivo pode significar a perda da hegemonia burguesa local. Exemplos que servem à chancela de atualidade do documento. Embora o texto não diga, é como se acusasse aqueles que separam a luta social, ou econômica, de “antidialéticos”, fratura que deve ser evitada e que conduz, paradoxalmente, ao oportunismo e ao esquerdismo.

A segunda ideia, posta a igualdade entre uma luta parlamentar e uma greve como ambas sendo “lutas políticas”, trata de hierarquizar esses dois métodos de luta dos trabalhadores. O método prioritário é a ação de massas. Secundariamente vêm a luta parlamentar. O argumento que sustenta essa hierarquização é simples: somente a luta de massas conduz o poder burguês à derrocada. O parlamento serve apenas à garantia de posições legais e deve estar sempre subordinado às campanhas dos trabalhadores.

No entanto, é no referente à terceira ideia, a respeito da campanha eleitoral, que o documento talvez conserve a sua maior atualidade: “A campanha eleitoral deve ser conduzida, não no sentido da obtenção do máximo de mandatos parlamentares, mas no sentido da mobilização das massas debaixo de palavras de ordem da revolução proletária”. Ou seja, uma campanha que tenha em vista, mais que aumentar o poder social do partido por meio das instituições burguesas, o aumento da consciência política dos trabalhadores por meio de palavras de ordem revolucionárias. Dessa maneira, a tática, ao invés de se descolar da estratégia (em nome da viabilidade eleitoral, em nome do pragmatismo, enfim, em nome de qualquer pretexto de última hora) liga-se de modo orgânico à ela, como movimento que objetiva sua consecução.

A partir dessas reflexões, se corretas, é possível traçar algumas indicações à campanha eleitoral que se avizinha ao PSOL. O sentido da campanha eleitoral à presidência da república, portanto, deve ser conduzido em espírito muito semelhante ao sintetizado pelas teses Lênin-Bukhárin: uma campanha que denuncie o capitalismo no Brasil (e seus meios de estabilização mais eficazes, o governo Lula notadamente), que leve a sério as mais sentidas reivindicações dos trabalhadores e que faça uma ponte entre elas e as palavras de ordem mais gerais da revolução socialista. Uma campanha que tenha em vista os próximos períodos de luta política, de ação de massas, greves, mobilizações urbanas e rurais, e que busque enraizar o PSOL nos movimentos que estão à frente dessas ações. Uma campanha que não confunda os trabalhadores, que, tendo em vista que a luta social-política é prioritária, transfira seus aliados dessa luta para as eleições, como os movimentos sociais urbanos e rurais, excluindo partidos burgueses, como PV, PDT e PSB. Uma campanha que, através de três ou quatro ideias centrais, contribua na reorganização do movimento dos trabalhadores. Em suma, uma campanha que esteja subordinada à lógica da luta social. Esse o desafio do PSOL.

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