terça-feira, 24 de maio de 2011

Última postagem

Este blog acabou, isto é, não receberá mais postagens.

A razão pela qual continuará no ar é que existem algumas postagens, sobretudo de teor mais acadêmico, que, segundo as estatísticas, permanecem com algum acesso. Além disso, há uma tradução importante, e a princípio foi a primeira à disposição do público, dos trechos em francês de A Montanha Mágica de Thomas Mann.

Quaisquer eventuais contatos podem ser feitos pelo jarivaway arroba gmail ponto com .

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

O balanço do lulismo

O “lulismo” de qualificativo jornalístico pejorativo ganhou ar de estatuto teórico. Hoje, lulismo é um conceito. Conceito que busca descrever e explicar, de modo geral, o período dos últimos oito anos da política brasileira.

O balanço desse período é urgente e necessário. Para quem participa eventual ou organicamente da esquerda brasileira pôde constatar a notável diferenciação valorativa em relação ao governo Lula de 2002 para cá. Sem descolar do plano mais superficial, esse movimento foi da esperança à desilusão, do cinismo a um projeto histórico de transformações viáveis e progressistas dentro da ordem capitalista. Do ponto de vista do movimento social isso significa apenas uma coisa: da defesa envergonhada do lulismo em 2006 a sua defesa apaixonada em 2010.

Esse período correspondeu também a um fortalecimento efêmero da esquerda revolucionária. Desde 2002, quando se anteviu o quanto os bancos seriam remunerados, até mais ou menos 2008, quando a crise econômica foi “vencida” por instrumentos de incentivo ao consumo e por uma orientação desenvolvimentista da economia, a esquerda revolucionária viveu um momento de fôlego parcial. Proliferaram análises sobre a origem e caráter do PT, surgiu mais um partido na esquerda brasileira, movimentos sociais de caráter autonomista e com sérias desconfianças à ordem institucional passaram a ter um espaço inaudito. Uma análise séria a respeito desse movimento que ensaiou rupturas a ordem é um capítulo à parte.

O fato é que o lulismo com políticas sociais emergenciais, seguido do consumo de geladeiras e carros, conquistou um largo setor da classe trabalhadora mais explorada. Isso ainda para permanecer no superficial. O fenômeno que se processou nesse interregno é bem mais profundo.

André Singer, com uma análise liminar e brilhante, aventou a hipótese do lulismo ser, efetivamente – e não distorcidamente –, uma representação de classe – representação no sentido de Marx –, mais propriamente de uma fração de classe, o subproletariado., isto é, aqueles que sobrevivem vendendo sua força de trabalho mas nem sempre encontram quem a compre Com as políticas sociais, o crédito consignado e o aumento real do salário mínimo, Lula conseguiu deslocar uma classe tradicionalmente ligada à direita política, em razão de sua fragilidade econômica e social, para o seu lado mais “reformista” – em oposição ao seu caráter, também, intrinsecamente conservador. Singer define o perfil ideológico do subproletariado como aqueles que desejam mudanças, mas que essas mudanças se processem de modo lento e gradual; o abalo da ordem, qualquer que seja, é sempre prejudicial a essa fração imensa da população que não possui direitos sociais – uma situação de desemprego é insuportável àqueles que não possuem seguro-desemprego; a estabilização da economia, o controle da inflação, é fundamental para uma classe sem poder de auto-organização. Essa dialética entre reforma e conservação (cuja distribuição de renda não prescinde e não contradita a remuneração dos bancos, por exemplo), seria resolvida por mudanças graduais, progressivas e mesmo lentas na ordem, que jamais ensaiariam quaisquer mudanças de corte radical. Os argumentos de Singer em suporte a essa tese são bem convincentes: desde o mapa eleitoral destacando a diferença profunda entre lulismo e petismo – este predominante nos centros industriais, aquele, no vocabulário jornalístico, nos grotões do Brasil –, o delineamento histórico do caráter do subproletariado como contrário a greves e até favorável ao uso de força militar na sua dissipação. A novidade do texto de Singer consiste ainda em mostrar um ator social até então razoavelmente invisível como, talvez, o mais poderoso da democracia brasileira. Tudo isso, é claro, tendo como pano de fundo a formação social subdesenvolvida que caracteriza o Brasil, ampliando em muito o poder dessa subclasse pouco expressiva no capitalismo avançado.

Além disso, o texto de André Singer retoma o que há de melhor na análise marxista. É possível encontrar os conceitos mais fundamentais como classe, fração de classe, força de trabalho, formação social etc. Além do uso dos conceitos, a inspiração fundamental Singer encontra na análise dos pequenos camponeses promovida por Marx no O 18 Brumário – o subproletariado é mesmo homólogo ao pequeno-camponês francês do século 19 em linhas gerais: não está economicamente ligado entre si (como o operário na linha de montagem) e é portanto incapaz da auto-organização, no que implica fazer-se representar por um Bonaparte qualquer, no caso brasileiro sem nenhuma conotação militar.

Em que pese isso, parece-me que Singer ainda, como apoiador do governo e em que pese seu profundo realismo político, mistifica o caráter social do lulismo considerando-o como um retorno do “popular” à política. Ao contrário, e aqui a hipótese de Ruy Braga do lulismo como “revolução passiva” ganha força, o lulismo parece antes de tudo uma profunda recomposição das elites sociais e políticas em vistas de uma conservação capitalista. É uma reforma conservadora, ou uma conservação que para continuar capitalismo acaba por reformar-se.

Ruy Braga mostra como o centro do lulismo se constitui no Estado, e aí ajuda a desfazer ilusões de uma esquerda que sem nunca ser anticapitalista sempre foi antineoliberal e, portanto, acreditou na diminuição real do papel do Estado ou que a contradição principal residiria entre capital e Estado – um evidente recuo a respeito das lições de Lênin no O Estado e a Revolução.

Diz Ruy Braga:

Contudo, parece-me meridianamente claro que o governo Lula conseguiu coroar a incorporação de parte das reivindicações dos “de baixo” com a bem orquestrada reação ao subversivismo esporádico das massas representado pelo “transformismo de grupos radicais inteiros”. Da miríade de cargos no aparato de Estado, passando pelos muitos assentos nos conselhos gestores dos fundos de pensão, pelas altas posições em empresas estatais, pelo repasse de verbas federais para financiamento de projetos cooperativos, pela recomposição do aparato de Estado, pela reforma sindical que robusteceu os cofres das centrais sindicais etc., o locus da hegemonia resultante de uma revolução passiva é exatamente o Estado. O fato é que o subversivismo inorgânico transformou-se em consentimento ativo para muitos militantes sociais que passaram a investir esforços desmedidos na conservação das posições adquiridas no aparato estatal.

Difícil discordar. Interessante pensar isso a partir disso da hipótese de Rudá Ricci ao, inspirado em Claus Offe, pensar o lulismo não apenas como “cooptação” – conceito fácil e conjuntural – dos movimentos sociais, mas como uma verdadeira estatalização – ou contra o neologismo, estatização – dos movimentos sociais. A reprodução material de variados movimentos sociais hoje depende do Estado que por meio da política de editais e de políticas (a um nível essencialmente corretas, mas em outro perniciosas) de assistência dão vazão a um certo tipo de reivindicações da sociedade. A velha diferenciação entre sociedade civil e Estado, sempre precária, ganha maior indistinção.

Vale notar ainda os autores, Virgínia Fontes à frente, que tentam pensar aspectos da política internacional brasileira como subimperialismo. Para isso não faltam indícios – mesmo que talvez parciais –, como a intensa participação do BNDES, Petrobrás e Itaipu na América Latina. BNDES, sobretudo, porque o financiamento de empresas brasileiras têm por fito sua instalação em outros países – seja na Bolívia, seja em Angola – ou o banco emprestando dinheiro a Guatemala, isto é, exportando capital. O fato é que o regozijo da diplomacia sul-sul preconizada por Marco Aurélio Garcia deve ser relativizada, prestando-se mais atenção às operações dos órgãos citados do que nas cordiais declarações dos governantes da América Latina.

Por fim, o livro “Os anos Lula”, grande projeto coletivo, apresenta a parcial mas imponente tentativa de uma avaliação geral do lulismo. Nesse caso, o interesse do livro reside menos pela síntese e mais pela análise pormenorizada dos diferentes temas – da educação à política econômica, do conflito agrário à política industrial.

O interesse de se fazer um amplo e correto balanço do lulismo reside no combate a uma versão da história que, a partir dessas eleições, nas milhares de mensagens eletrônicas disseminadas pelos apoiadores de Dilma, consiste na mistificação dos anos Lula. Se a crítica da direita merece ser solenemente ignorada, por não fazer jus ao mínimo de respeito aos fatos, a versão lulista não é muito melhor: a versão pai dos pobres, com dados seletamente colhidos e com depoimentos piegas de uma classe média com má-consciência, deve ser desfeita, sob pena de daqui a alguns essa versão, em oposição a alguma coisa pior, ser tomada como verdade.

Do fato de que Lula é um gigante – possivelmente o maior estadista desse país – e de que tratamos do governo com a maior e mais eficaz estratégia política já implementada, com as transformações superficiais jamais realizadas e mais sensíveis ao grosso da população, é um fato a ser lamentado e criticado por todo socialista autêntico. Resta ainda tudo por fazer, mas com um balanço bem orientado do lulismo ao menos não começaremos do zero.


H. Vivan


quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Grupo de Estudos do PSOL Joinville

O grupo de estudos e formação do PSOL Joinville realizará seu primeiro encontro em 2011.

Passadas as eleições, nos colocamos a tarefa de debater e compreender, a partir da gênese, o que era e o que veio a ser o Partido dos Trabalhadores (PT). Portanto, iremos refletir sobre a trajetória do partido, a fim, inclusive, de não cometer os mesmos erros.

Para tanto, decidimos pelo texto “PT – Os Dilemas da Organização” do sociólogo e militante socialista Florestan Fernandes (1920 – 1995). À luz do texto e das nossas experiências, assistiremos e em seguida debateremos o vídeo de “Clipagem com cenas do programa eleitoral da Frente Brasil Popular (campanha de Lula) para Presidente da República no ano de 1989”, a fim de verificar as brutais transformações de prática e discurso ocorridas durante esses anos.

Sobre Florestan Fernandes, o autor foi sociólogo e militante marxista (na década de 40, retomando atividades de cunho diretamente político de 80 em diante). Toda sua obra está ligada a desvendar e explicar relações de dominação seja na sua atenção ao indígena, ao negro ou ao proletariado. Maiores informações biográficas aqui.

O encontro ocorrerá na sede do PSOL Joinville (Jerônimo Coelho, 285, centro) no dia 19 de janeiro, quarta-feira, às 19:00h.

Sinta-se convidado. O grupo não é fechado a membros do PSOL, mas sim é aberto a todos que tenham interesse em discutir questões pertinentes ao socialismo. Se possível, confirme presença pelo e-mail psoljoinville@gmail.com .

O texto pode ser baixado aqui.

PSOL Joinville, 13 de janeiro de 2011.

Fonte: PSOL Joinville.

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

"Se os historiadores tiverem juízo, ele será lido como o presidente mais privatizante da história" - entrevista com Chico de Oliveira


Chico Oliveira, sociólogo aposentado da USP

Qual leitura o sr. faz dos oito anos do presidente Lula?

O balanço geral é mediano. Essa história de "nunca antes neste país" é conversa fiada. O Brasil foi a segunda economia mundial a crescer sustentadamente durante um século. Mas foi um crescimento feito sem nenhuma distribuição de renda. A gestão do presidente Lula não diminuiu desigualdade nenhuma, isso é lenda criada a partir de muita propaganda. O que houve foi uma transferência de renda a partir do governo para os estratos mais pobres. Distribuição ocorre quando existe a mudança da renda de uma classe social para outra. Nesse sentido, não houve nenhum avanço.

O sr. concorda com os que afirmam que Lula é um mito?

Sim, e como acontece em todos os casos o mito é maior do que a realidade. Ele construiu um mito poderoso devido a vários fatores, entre os quais, conta o muito o fato de ele ser de origem pobre. Até hoje o presidente é considerado um operário, mas não pega em uma ferramenta há 50 anos. Isso o ajuda a fomentar uma figura.

E o Bolsa-Família?

Nós fomos educados na ética cristã, que nos impede de sermos indiferentes à fome. Então, ninguém pode ser contra. Agora, politicamente, o programa diz que o crescimento econômico continua sendo excludente, que é preciso algo por fora do salário para dar condições de vida às pessoas. Outro fator grave é que ele é uma regressão, uma volta à política personalista, baseada no favor, algo ruim da tradição brasileira.

André Singer, cientista político e ex-assessor de Lula na Presidência, compara os anos Lula aos de Roosevelt (presidente dos EUA entre 1933 e 1945 e recuperou a economia daquele país). O senhor concorda?

Respeito muito o André como intelectual. Ele elevou o nível de debate no PT. Mas acho que há um equívoco da parte dele. Lula não pegou o País em uma grave crise. Os anos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) não foram gloriosos, mas não foram de quebradeira, de jeito nenhum. Roosevelt pegou os EUA no fundo da crise. Além disso, o André se esquece de que Roosevelt acabou com o trabalhismo americano. Entre as grandes democracias do mundo, a única na qual os trabalhadores não têm um partido é a dos EUA.

O sr. vê traços autocráticos no presidente Lula?

Montado nessa popularidade, ele exagerou. O presidente esteve à beira de se tornar autoritário. Foi além dos limites. Só duas pessoas no século 20 disseram, como ele, que eram a encarnação do povo: Adolf Hitler e Joseph Stalin.

Lula e o PT chegaram ao Planalto fazendo um discurso forte contra a corrupção. O sr. se decepcionou nesse quesito?

O poder absoluto corrompe muito. O presidente do Brasil pode nomear muitos cargos. Não há partido que resista a uma coisa dessas. O PT se perdeu no poder, ficou menor do que o presidente e não consegue impor seu programa. Lula e o PT tem um estilo predatório de administrar o Estado e lidar com as finanças públicas.

Lula foi melhor do que Fernando Henrique Cardoso?

Fui muito amigo do Fernando Henrique durante 12 anos e nos afastamos quando ele virou presidente. Fui revê-lo depois que ele deixou Brasília. Sei quem ele é e já fiz essa comparação. Fernando Henrique fez muito mal ao Estado com as privatizações. Ele, com isso, quebrou a capacidade de o Estado regular a economia, quebrou alguns instrumentos construídos com o sacrifício do povo para que o Estado pudesse intervir na economia. Mas tentou avançar institucionalmente, e essa é a grande diferença entre eles. O Lula não tem uma criação institucional. A República não avançou um milímetro com Lula. O que é celebrado na gestão Lula não se transformou em regra. Getúlio Vargas (ditador e presidente do Brasil de 1930 a 1945 e presidente de 1951 a 1954), quando criou as leis trabalhistas, obrigou as empresas a seguirem as regras da nova legalidade, que significavam uma nova hegemonia. A sociedade caminha pela luta de classes dentro dos caminhos que a hegemonia cria. Não ocorreu isso com Lula.

Mas e o aumento do salário mínimo não é um avanço?

Não, é um processo da economia, nada está garantido. Se amanhã a economia der para trás, o salário mínimo que se dane, não é um avanço. O salário mínimo do Juscelino Kubitschek (presidente entre 1956 e 1961) chegou, em valores de hoje, a R$ 1.500, e caiu porque as forças do trabalho não tiveram capacidade de sustentá-lo e porque logo depois viriam os governos militares. Avanços são direitos. Para ficar na história como um estadista, não apenas como um presidente popular, Lula deveria ter transformado, por exemplo, o Bolsa-Família em legislação constitucional. Não fez reformas. O Lula não é um estadista, de jeito nenhum. Ele não é aquele que constrói instituições que significam uma nova hegemonia.

O sr. estava entre os fundadores do PT...

Isso de fundador não faz muita diferença. Muita gente estava na fundação do partido (no colégio Sion, em São Paulo, em 1980) e depois nunca mais apareceu. O que interessa é a militância, e eu fui militante.

Como o sr. acha que a era Lula ficará para a História?

Se os historiadores tiverem juízo, ele será lido como o presidente mais privatizante da história. Ele não é estatizante, isso é falso, uma lenda que a imprensa inventou e que ele usa como arma. Ele é privatizante no sentido de estar criando regras para que poucos grupos controlem a economia brasileira, usando o BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social) para isso. Com Lula, nós estamos entrando naquilo que a teoria marxista chamava de capitalismo monopolista de estado, do qual não há volta. Todas as vezes que essas forças crescem, as dos trabalhadores diminuem. É esse país que ele vai legar para a Dilma.

Diante da alta popularidade de Lula, o sr. se arrepende de ter saído do PT?

De jeito nenhum. Esse negócio de popularidade é como maré, vai e volta.

QUEM É

Chico de Oliveira é professor aposentado de sociologia da Universidade de São Paulo, da qual recebeu o título de professor emérito, e foi um dos fundadores do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento. Entre seus livros, destaca-se Crítica à Razão Dualista.

Fonte: Estadão.

domingo, 2 de janeiro de 2011

The Adventures of Sherlock Holmes [Série Completa]


1ª a 7ª TEMPORADADownload


Sinopse: The Adventures of Sherlock Holmes (As aventuras de Sherlock Holmes) é uma coletânea de contos de aventuras do detetive Sherlock Holmes, publicada em 1892, escritos por Sir Arthur Conan Doyle. Os contos foram originalmente publicados na revista Strand Magazine, nos anos de 1891 e 1892.

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Porque o nosso povo não se rebela?

Plínio de Arruda Sampaio
De São Paulo

Os telejornais estão cheios de noticias das rebeliões que estão acontecendo na França, Inglaterra, Itália e Grécia. Multidões de funcionários públicos, trabalhadores, agricultores, caminhoneiros, ocupam as ruas, bloqueiam estradas, ocupam edifícios públicos em protesto contra cortes em seus direitos.

Por que aqui não acontece o mesmo, sendo que os cortes são muito maiores?

Dois fatores explicam a passividade da nossa gente.

O primeiro deles é a terrível repressão policial sobre os insurgentes. Desde a Inconfidência Mineira, o povo sabe que a repressão dos revoltosos é seletiva: os figurões da conspiração foram deportados; o sargento de milícias foi enforcado, sua cabeça exposta ao público e o terreno da sua casa salgado para que nada jamais voltasse a nascer ali.

Em 1964, os deputados, senadores, governadores, políticos importantes e pessoas poderosas foram cassados e tiveram seus direitos políticos suspensos. Mas, o patrimônio deles não foi tocado, sua família sempre pôde vir ao Brasil, passada a cassação todos tiveram seus direitos restabelecidos e, muitos receberam polpuda indenização. Os líderes camponeses que se rebelaram foram todos assassinados.

O povo observa essas coisas.

O segundo fator da conformidade chama-se "cultura do favor". Roberto Scharwz tratou desse assunto com maestria. Segundo ele, durante os trezentos anos de escravidão, só havia dois grupos sociais organicamente ligados à produção e, portanto, à obtenção de renda (monetária ou sustentada pelo trabalho). Os demais grupos (negros alforriados, mulatos, cafusos, profissionais sem patrimônio, brancos pobres) só tinham duas maneiras de sobreviver: ou por meio de atos ilícitos ou pela proteção de um poderoso.

Surgiram daí o capanga; o mumbava; o cabo eleitoral.

A cultura do favor é uma ética da gratidão. O marginalizado, no sentido daquele que vive à margem dos direitos sociais, que recebe um favor do poderoso está moralmente obrigado a devolver esse favor, a fim de se sentir uma pessoa digna.

Esta cultura atingiu não somente o pobre, mas também o poderoso. Porque sempre há alguém mais poderoso de quem se necessita uma providência - um favor.

Num livro admirável, Ligia Osório de Souza demonstrou que a elite dominante brasileira desenvolveu uma técnica legislativa destinada a evitar que a lei seja aplicada imparcial e universalmente. Toda lei brasileira tem preceitos vagos e confusos para possibilitar o casuísmo. O casuísmo é o favor.

Conta-se até mesmo a anedota do cidadão que pediu um favor a um senador e quando este respondeu-lhe que não podia atender por ser ilegal respondeu: "Mas é por isso mesmo que estou recorrendo ao senhor; se fosse legal, eu protocolaria no balcão da repartição". No Brasil, no balcão só os pobres sem padrinho.

Pois bem, uma população totalmente sem esperança de conseguir que seus problemas sejam resolvidos contentou-se com migalhas e identificou na figura do Lula o poderoso que lhe faz um favor. Seu dever moral é retribuir esse favor e o meio de que dispõe para isto é o voto.

Não adianta nada demonstrar que o governo Lula está metido em falcatruas e que as migalhas distribuídas não resolvem o seu problema. Se dever moral é retribuir o favor.

Plínio Soares de Arruda Sampaio, 80 anos, é advogado e promotor público aposentado. Foi deputado federal por três vezes, uma delas na Constituinte de 1988, é diretor do "Correio da Cidadania" e preside a Associação Brasileira de Reforma Agrária - ABRA

Fonte: Terra Magazine.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Zizek - The Guardian, em agosto de 2008 (tradução própria)

Slavoj Zizek, 59, nasceu em Ljubljana, Eslovénia. Ele é professor da European Graduate School, diretor internacional do Instituto de Ciências Humanas Birkbeck, em Londres, e investigador sênior do Instituto de Sociologia da Universidade de Liubliana. Ele já escreveu mais de 30 livros sobre temas tão diversos como Hitchcock, Lênin e 9/11, e também apresentou a série de TV The Pervert's Guide To Cinema.

Quando você foi mais feliz?
Algumas vezes quando eu olhava para um momento feliz passado e lembrava-me dele - nunca enquanto ele estava acontecendo.

Qual é o seu maior medo?
Acordar depois de morto - é por isso que eu quero ser queimado imediatamente.

Qual é a sua lembrança mais antiga?
Minha mãe despida. Bastante desagrad.

Que pessoa viva você mais admira e por quê?
Jean-Bertrand Aristide, o presidente, duas vezes deposto, do Haiti. Ele pode servir de modelo para as pessoas, mesmo em situações desesperadoras.

Qual é a característica que mais deplora em si mesmo?
Indiferença com os males dos outros.

Qual é a característica que mais deplora em outras pessoas?
Suas desprezíveis disponibilidades para me oferecer ajuda quando eu não preciso ou não quero.

Qual foi o momento mais embaraçoso?
Estar sem roupas na frente de uma mulher antes de fazer amor.

Sem ser uma propriedade, qual a coisa mais cara que você comprou?
A nova edição alemã da obras completas de Hegel.

Qual é o seu bem mais valioso?
Veja a resposta anterior.

O que o deixa deprimido?
Ver pessoas estúpidas felizes.

O que você mais gosta na sua aparência?
Ela faz com que eu pareça do jeito que eu realmente sou.

Qual é o seu hábito mais desagradável?
Os tiques excessivamente ridículos das minhas mãos enquanto eu falo.

O que você escolheria para vestir para se fantasiar?
Uma máscara do meu próprio rosto, para que as pessoas pensem que não sou eu, mas apenas alguém querendo se passar por mim.

Sobre qual prazer sente mais culpa?
Assistir embaraçadamente filmes patéticos como "A noviça rebeld" ("The Sound Of Music").

O que você deve a seus pais?
Nada, eu espero. Eu não gastei nem um minuto lamentando a morte deles.

Para quem você mais gostaria de pedir desculpas, e por quê?
Para meus filhos, por não ser um pai bom o bastante.

Como o sentimento de amor lhe parece?
Como um grande infortúnio, um parasita monstruoso, um permanente estado de emergência que arruina todos os pequenos prazeres.

O que ou quem é o amor da sua vida?
Filosofia. Eu secretamente acho que a realidade existe, então nós podemos especular a respeito dela.

Qual é o seu cheiro preferido?
Natureza em decomposição, como árvores podres.

Alguma vez você já disse "eu te amo" e não quis dizer isso?
O tempo todo. Quando eu realmente amo alguém tudo o que eu consigo fazer são comentários agressivos e de mau gosto.

Que pessoa viva você mais despreza, e porquê?
Os médicos que auxiliam torturadores.

Qual é o pior trabalho que você já fez?
Ensino. Eu odeio alunos, eles são (como todas as pessoas), na maior parte das vezes, estúpidos e enfadonhos.

Qual foi sua maior decepção?
O que Alain Badiou chama de "desastre obscuro" do século 20: a falha catastrófica do comunismo.

Se você pudesse modificar o seu passado, o que mudaria?
Meu nascimento. Concordo com Sófocles: a maior sorte é não ter nascido - mas, a piada continua, muito poucas pessoas conseguem isso.

Se você pudesse voltar no tempo, onde você iria?
Para a Alemanha no início do século XIX, para seguir um curso universitário de Hegel.

O que você faz para relaxar?
Ouvindo de novo e de novo Wagner.

Quantas vezes você faz sexo?
Isso depende do que se entende por sexo Se for a habitual masturbação com um parceiro, eu tento não fazer isso todo o tempo.

Qual o mais próximo que já esteve da morte?
Quando eu tive um leve ataque cardíaco. Foi quando eu comecei a odiar o meu corpo: ele se recusou a cumprir seu dever se servir-me cegamente.

Qual coisa simples poderia melhorar a sua qualidade de vida?
Evitar a senilidade.

O que você considera ser a sua maior conquista?
Os capítulos onde eu desenvolvi o que eu acho que é uma boa interpretação de Hegel.

Qual é a lição mais importante que a vida lhe ensinou?
Que a vida é uma coisa estúpida e sem sentido, que não tem nada a ensinar.

Conte-nos um segredo.
O comunismo irá vencer.

O original pode ser conferido em: http://www.guardian.co.uk/lifeandstyle/2008/aug/09/slavoj.zizek

Fonte: http://slavoj-zizek.blogspot.com/2010/01/entrevista-pelo-guardian-em-agosto-de.html