terça-feira, 3 de novembro de 2009

Estudos sobre “O Capital” II

Hernandez Vivan – Grupo de Estudos d'O Capital

24 de outubro de 2009.

MARX, Karl O Capital, Volume I, 11ª edição, editora Bertrand Brasil/Difel, tradução Reginaldo Sant'Anna, São Paulo: 1987.


 

______


 

B) Forma total ou extensiva do valor


 

A expressão dessa forma:

z da mercadoria A = u da mercadoria B, ou = v da mercadoria C, ou = w da mercadoria D, ou = x da mercadoria E, ou = etc.

(20 metros de linho = 1 casaco, ou = 10 quilos de chá, ou = 40 quilos de café, ou = 1 quarter de trigo, ou = 2 onças de ouro, ou = ½ tonelada de ferro, ou = etc.) (p. 71).


 

  1. Forma extensiva do valor relativo


     

        A forma extensiva mostra uma mercadoria, linho, por exemplo, em relação com uma infinidade de outras mercadorias. O valor do linho é espelhado nas diversas outras mercadorias com as quais se equivale. Marx procura demonstrar com isso algumas conseqüências: 1) o valor se revela como trabalho humano homogêneo; 2) o trabalho criador desse valor revela uma igualdade com os demais (na medida em que há equivalências), de modo que o linho se relaciona com todo o universo de mercadorias disponível; 3) ao valor nada importa o valor-de-uso.

        Além disso, essa forma demonstra uma quarta conseqüência: 4) se à primeira forma ("20 metros de linho = 1 casaco") poderia permanecer fortuita a equivalência (como relação eventual entre dois mercadores), à segunda, dada a relação universal dela com as demais mercadorias, fica demonstrado um "fundo" (p. 72) que a determina. O que por fim permite Marx efetuar a quinta conclusão: 5) é a magnitude do valor que regula as relações de troca.


     

  2. Forma de equivalente particular


     

        Cada mercadoria (casaco, chá, trigo, ferro etc.) é um equivalente na expressão de valor do linho e, logo, "encarnação de valor". Sob a forma "natural", são equivalentes particulares junto a outras mercadorias. Igualmente, o trabalho é considerado apenas como "trabalho humano em geral" (idem) e não como trabalho útil ou concreto.


     

  3. Defeitos da forma total ou extensiva do valor


     

        Marx enumera as críticas: 1) a série, nesse modelo de expressão do valor, segue infinita; 2) trata-se de uma forma de expressão variada, sem unidade; 3) ao expressar o valor de uma mercadoria sob essa forma, a mercadoria equivalente, por sua vez, também seria expressa na mesma forma, portanto, infindável. Diz Marx: "Os defeitos da forma extensiva do valor relativo refletem-se na forma de equivalente que lhe corresponde" (pp. 72-73).

        Marx se refere à forma "natural" de cada mercadoria enquanto equivalentes particulares. Elas são, ao contrário da forma extensiva do valor, limitadas, uma forma excluindo a outra. O mesmo a respeito do trabalho concreto em cada equivalente particular, apenas uma forma de expressão. Marx ainda diz que o trabalho humano (concreto) encontra sua "forma completa ou total de manifestação" (p. 74) no conjunto inteiro das formas particulares.

        A forma extensiva é expressa em equações reversíveis (20 metros de linho = 1 casaco; 1 casaco = 20 metros de linho). Marx nota que se é possível expressar o valor em linho isso se dá em razão de que muitos mercadores traduzem seus valores em linho. A forma recíproca da série do linho permite que se chegue à próxima forma: a forma geral do valor.


     

    C) Forma geral do valor


     

        A forma geral do valor é expressa quando várias mercadorias emprestam seu padrão de equivalência a partir de uma única. Marx exemplifica com a relação de 1 casaco, 10 quilos de chá, 40 quilos de café etc. em relação a 20 metros de linho


     

    1. Mudança do caráter da forma do valor

        As mercadorias passam a ser expressas no que diz respeito a seus valores 1) de maneira simples (em uma única mercadoria) e 2) e de maneira igual (em uma mesma mercadoria). Marx passa então em revista das formas precedentes à forma C.

        A forma A exprime uma relação primitiva no estágio de desenvolvimento do capitalismo (Marx fala em troca "fortuita") na qual as diferentes expressões de valor (10 quilos de chá = ½ tonelada de ferro, 1 casaco = 20 metros de linho etc.) ocorrem de maneira esporádica e eventual – a igualdade das expressões não é ainda pensada.

        A forma B, por sua vez, representa um estágio seguinte desse desenvolvimento. Historicamente corresponde ao momento no qual uma mercadoria é habitualmente trocada (Marx exemplifica com o gado). Logicamente, se expressa através da equivalência de uma mercadoria qualquer com um universo de outras mercadorias.

        A forma C é a que expressa mais perfeitamente o conjunto de relações das mercadorias. Essa expressão ocorre a partir de uma única e mesma mercadoria, a partir da qual todas as demais se referem. As duas formas anteriores expressam o valor de dada mercadoria de modo isolado, seja numa mercadoria de espécie diversa (forma A), seja numa série de mercadorias distintas (forma B). Há um reino privado a partir do qual as mercadorias ocupam o simples papel passivo de equivalente frente a uma forma relativa. A forma C apresenta, no entanto, uma forma "geral":

    O valor de uma mercadoria só adquire expressão geral, porque todas as outras mercadorias exprimem seu valor através do mesmo equivalente, e toda nova espécie de mercadoria tem que fazer o mesmo (p. 75).

    A conclusão é que agora o valor é expresso pela totalidade das relações sociais. Além disso, agora todas as mercadorias são quantitativamente comparáveis em um mesmo material (valor-de-uso absolutamente abstraído). Dessa maneira: "10 quilos de chá = 20 metros de linho, e 40 quilos de café = 20 metros de linho. Logo, 10 quilos de chá = 40 quilos de café" (idem). O linho, segundo o exemplo, é então denominado "equivalente geral".

        Marx faz então algumas considerações sociais quanto à forma de equivalente geral. O linho passa a ser a forma comum de todos os demais trabalhos humanos, a personificação social deles. O trabalho privado que produz o linho se alça a um estatuto social. O linho passa a ser a medida de todo o trabalho humano. O trabalho é então representado não apenas em seu aspecto negativo (enquanto trabalho abstrato), mas também enquanto positivo. Por fim, a forma geral do valor, que torna os produtos do trabalho uma massa de trabalho humano indiferenciado, mostra-se como a expressão social das mercadorias, mostra que esse "mundo é constituído pelo caráter humano geral do trabalho" (p. 76).


     

  4. Desenvolvimento mútuo da forma relativa do valor e da forma de equivalente


     

        A forma do equivalente desenvolve-se de modo correspondente à forma relativa do valor, mas a forma que guia esse desenvolvimento é a forma relativa.

        A forma relativa simples (ou isolada, a forma A) faz de outra mercadoria um equivalente singular; a forma extensiva (ou B) do valor relativo exprime-se em várias mercadorias; por fim, uma mercadoria (na forma C) adquire a função de "equivalente geral", em razão das demais mercadorias relacionarem-se com ela.

        A oposição entre os pólos da equação – forma relativa e forma de equivalente – desenvolve-se à medida do desenvolvimento da forma do valor.

        Na forma A essa oposição era já presente, embora de modo não fixo, pois os membros eram intercambiáveis, de modo que a oposição não é clara. Na forma B a oposição já é mais clara: os termos não são mais intercambiáveis entre si e apenas uma mercadoria estende sua forma às demais. A forma C apresenta uma forma relativa "generalizada", cuja extensão abarca todas as mercadorias, através da posição de apenas uma mercadoria do lado da equação que designa a forma de equivalente – e, portanto, nesse nível expressa a forma de "equivalente geral". Diz Marx que a mercadoria que se encontra no pólo de equivalente jamais pode passar ao pólo da forma relativa, sob pena de se chegar a uma tautologia que nada explica (20 metros de linho = 20 metros de linho). Para sanar isso, Marx complementa:


     

    Desse modo, a forma extensiva do valor relativo, a B, revela-se a forma específica do valor relativo da mercadoria que serve de equivalente geral (p. 77).


     

  5. Transição da forma geral do valor para a forma dinheiro


     

        A forma C é alcançada por uma mercadoria quando ela se destaca das demais e passa a ser o equivalente geral em relação a todas as outras mercadorias. Quando esse destacamento passa a ser categórico ela se torna "mercadoria-dinheiro". O papel de equivalente universal passa a ser sua função específica. Isso ocorre com o ouro. Daí a passagem à forma D.


     

    D) Forma dinheiro do valor


     

        Na forma D todas as mercadorias se referem a uma única cuja função específica é servir de equivalente (20 metros de linho = 2 onças de ouro, 1 casaco = 2 onças de ouro, 10 quilos de chá = 2 onças de ouro etc.).

        Marx assinala que as diferenciações entre as formas eram mais significativas nas outras passagens. No caso, da forma C para a forma D a diferença é puramente entre a mercadoria que assume a forma de equivalente, nessa forma destacando sua "permutabilidade direta". Diz Marx a respeito:

    O progresso consiste em se ter identificado, agora, definitivamente, a forma de direta permutabilidade geral ou forma de equivalente geral com a forma específica da mercadoria ouro, por força de hábito social (p. 78).

        O ouro para chegar à forma D passou por todas as demais. Primeiro ocupou um lugar de expressão na forma A e seguiu aumentando sua participação em círculos cada vez mais gerais o papel de equivalente. Quando conquista o monopólio da forma C, aí passa à forma D.

        Agora, na expressão simples do valor quando na posição de equivalente encontra-se mercadoria-dinheiro chega-se à forma preço. Por exemplo, 20 metros de linho = 2 onças de ouro (ou 2 libras esterlinas).

        Por fim, Marx assinala que a dificuldade de compreensão da forma D é compreender que ela é o processo de todas as formas anteriores:

    Assim, a forma-mercadoria, isto é a mercadoria equivalente da forma simples do valor, é o germe da forma dinheiro (p. 79).


     

  6. O fetichismo da mercadoria: seu segredo


     

        Marx passa a investigar o caráter misterioso da mercadoria – algo cheio de "sutilezas metafísicas e argúcias teológicas" (idem) –, isto é, a mercadoria enquanto algo imediato é uma coisa, analisada ou mediatizada, é outra. De saída, Marx descarta que qualquer mistério resida no valor-de-uso da mercadoria, seja sob o aspecto de satisfazer necessidades humanas, seja considerando a atividade humana que transforma o elemento natural. Por exemplo, a madeira que se torna mesa, embora ainda permaneça madeira.    Marx ainda explica as razões pelas quais nenhum "mistério" reside no valor-de-uso: 1) o trabalho que cria algo qualquer é função do organismo humano, portanto dispêndio de cérebro, músculo, nervos, sentidos etc.; 2) o fator que determina a magnitude do valor, quantitativamente, é facilmente distinguível de seu parente qualitativo; 3) Os homens, ao trabalharem uns para os outros, fazem o trabalho adquirir uma forma social.

        O mistério do trabalho humano ao assumir a forma de mercadoria provém da natureza dessa própria forma. A igualdade dos trabalhos humanos aparece como a igualdade dos produtos dos trabalhos humanos – como valores. A medida da força de trabalho, por meio de sua duração, ganha a forma de quantidade de valor nos produtos do trabalho. Por fim, a relação entre os produtores, o caráter social do trabalho, ganha a forma de relação entre o produto de seus trabalhos.

        Marx define o mistério da mercadoria em razão de ela     


     

    encobrir as características sociais do próprio trabalho dos homens, apresentando-as como características materiais e propriedades sociais inerentes aos produtos do trabalho; por ocultar, portanto, a relação social entre os trabalhos individuais dos produtores e o trabalho total, ao refleti-la como relação social existente, à margem deles, entre os produtos do seu próprio trabalho. Através dessa dissimulação, os produtos do trabalho se tornam mercadorias, coisas sociais, com propriedades perceptíveis e imperceptíveis aos sentidos (...) Uma relação social definida, estabelecida entre homens, assume a forma fantasmagórica de uma relação entre coisas (p. 81).


     

    A mercadoria se relaciona como relação física, quando é relação social.

        O fetichismo, acusa Marx, decorre do caráter social do trabalho que produz mercadorias. Objetos úteis tornam-se mercadorias em razão de serem produzidos individualmente. O conjunto dos trabalhos particulares é o trabalho social. É através da relação da troca que os produtos manifestam suas verdadeiras características sociais – a partir daí que se dá a relação entre produtores.

        É através da troca que os produtos do trabalho (enquanto valores) ganham uma realidade socialmente homogênea, que seu caráter útil, perceptível pelos sentidos, passa a segundo plano. A diferenciação entre utilidade e valor ocorre quando a troca se generaliza a ponto de coisas passarem a ser produzidas com a finalidade da própria troca. Nesse momento o trabalho passa a ter um duplo caráter social (como utilidade, satisfazendo certas necessidades; e como satisfação de necessidade derivadas da troca, do produtor enquanto necessita de algo que se troque por um trabalho equiparável). Essa igualdade funda-se em uma abstração, que é aquela que considera apenas como dispêndio de força, como trabalho abstrato.

        O estabelecimento dessas relações entre diferentes trabalhos como valores não decorre da "aparência material de trabalho humano de igual natureza" (p. 82), mas da igualdade comum dos trabalhos – e isto é feito sem que os produtores saibam. Aos produtores tudo aparece como "qualidade material dos produtos, [quando se trata, na verdade, d]o caráter social do trabalho" (p. 83), portanto, aparenta-se como algo natural, mesmo após a análise científica da natureza da mercadoria – como a água, cuja fórmula química H2O nada significa na relação que mantém-se com ela.

        O fetichismo cria a impressão de que "1 tonelada de ferro e 2 onças de ouro têm igual valor do mesmo modo que 1 quilo de ouro e 1 quilo de ferro têm igual peso" (idem). O resultado disso é que para os que participam da troca "a própria atividade social possui a forma de uma atividade das coisas sob cujo controle se encontram, ao invés de as controlarem" (idem). Marx insiste que a descoberta da lei que rege as propriedades da mercadoria não significa, em nada, a supressão da determinação material do fetichismo.

        Marx, em uma consideração metodológica, diz que a reflexão a respeito das formas de vida humana começam ao contrário de seu verdadeiro desenvolvimento histórico. Partem da petrificação da consciência para irem em busca do significado histórico. Marx passa então a tentar mostrar a não-naturalidade dessas formas através de uma pesquisa econômica histórica.

        São quatro os exemplos que Marx oferece. O primeiro é Robinson Crusoé, perdido em uma ilha. A relação que Robinson mantém com suas coisas é de pura utilidade, sem qualquer possibilidade de troca (embora as condições para a troca estejam dadas). O segundo exemplo refere-se à Idade Média. Nesse tipo de sociedade o fundamento é a dependência pessoal, de maneira que todo o trabalho é social e concreto e as relações, desse modo, são puramente pessoais e não são mediadas entre coisas. O terceiro exemplo é de uma sociedade simples (mas não necessariamente "primitiva"), uma fazenda, cujo trabalho serve a sua própria necessidade. A produção dessa sociedade não confrontará seus produtos como mercadorias, apenas obedecem à lógica do trabalho concreto.

        O quarto exemplo tem como ponto de partida Robinson, à diferença que não se encontra mais isolado – embora permaneça com seu trabalho individualizado –, isto é, o trabalho passa a ser social (como conjunto dos trabalhos individuais). Nessa sociedade o produto é social, parte dele serve ao incremento da produção (portanto com fim social) e outra para consumo dos membros da sociedade (portanto, também com fim social). Marx faz um paralelo entre essa sociedade e uma sociedade produtora de mercadorias no que tange ao tempo de trabalho. Na sociedade acima descrita, o tempo de trabalho serviria 1) para ser distribuído com vistas à proporção correta de variadas funções para atender diversas necessidades e 2) para medir a participação dos produtores no trabalho comunitário e sua cota de consumo. Nesse modelo, segundo Marx, as relações dos produtores com seus produtos permaneceriam "meridianamente claras".

        No capitalismo, no entanto, os homens

        (...) tratam seus produtos como mercadorias, isto é, valores, e comparam, sob a aparência material das mercadorias, seus trabalhos particulares, convertidos em trabalho humano homogêneo (p. 88).

        A essa altura Marx faz uma consideração de que o cristianismo, na forma do protestantismo e do deísmo, com o culto do indivíduo abstrato é a uma forma de consciência adequada ao capitalismo. A consideração não é gratuita e visa expressar a impossibilidade de clareza nas relações de homens entre homens e de homens entre a natureza, na sociedade capitalista confundidas como relação de coisas com coisas.

        Marx defende que a nebulosidade do fetichismo só pode ser suprimida em uma sociedade na qual homens livremente associados comandem conscientemente a produção. Além disso, a sociedade precisa de uma base material razoável, "resultado natural de um longo e penoso processo de desenvolvimento" (p. 89).

        Marx ainda trata de assinalar as limitações da economia burguesa. Reconhece que ela foi capaz de descobrir a magnitude do valor e o conteúdo oculto pelo valor. No entanto, não conseguiu expressar o porquê esse conteúdo se oculta. Em suma, naturalizou a relação de fetichismo – Marx acusa os melhores economistas burgueses, Adam Smith e Ricardo, de, por considerarem o capitalismo um sistema natural, não terem penetrado a fundo na constituição do valor e no elemento mais abstrato do capitalismo: a mercadoria. Embora a economia burguesa expresse o valor através do tempo de trabalho, não é capaz de mostrar que é o fetichismo da mercadoria que impele às consciências considerarem a relação de valor como entre coisas. O fetichismo da mercadoria, desse modo, é a crítica mais radical ao capitalismo.

        Por fim, Marx exemplifica alguns economistas que sucumbiram ao fetichismo da mercadoria: os mercantilistas, com a ideia de que o ouro e a prata possuíam qualidades "próprias" que exprimiam seus valores; os fisiocratas, que pensavam que a renda era atributo da terra, e não da sociedade.

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