sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Estudos sobre “O Capital”

Dois amigos – Felipe Cordova e Bruno Klein – criamos nosso pequeno grupo de estudos sobre O Capital de Karl Marx. A idéia é antiga e surgiu do déficit do nosso curso de Filosofia em leituras a esse respeito. Em que pese nossas tremendas limitações – a quase completa ignorância em assuntos propriamente econômicos – já tivemos dois encontros e finalizamos o capítulo primeiro do livro. Nesse empreitada outros dois companheiros passaram a nos acompanhar, mas a aridez do texto e a falta de tempo acabaram por abatê-los.


Vou passar a publicar no blog os fichamentos, resumos e esquemas do nosso grupo de estudos. Desde o primeiro grupo de leitura do O Capital – em 1959, salvo engano, na USP – vários outros grupos surgiram. Somos apenas mais um deles, que sabe Deus até quando vai durar. No entanto, de modo absolutamente "republicano" – supondo que alguém leia e supondo que, talvez, inspire a leitura do livro –, vamos disponibilizar os nossos acúmulos de leitura. Bom proveito.


O primeiro fichamento é do Bruno Klein. A referência é a edição do O Capital de 2003, Ed. Civilização Brasileira, trad. Reginaldo Sant'Anna.


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Acompanhamento expositivo dos principais conceitos e análises contidas no texto entre as páginas 57 e 84, envolvendo as seguintes partes e itens do primeiro capítulo – A mercadoria – d'O Capital, de Marx:


  1. Os dois fatores da mercadoria: valor-de-uso e valor (substância e quantidade do valor)
  2. O duplo caráter do trabalho materializado na mercadoria
  3. A forma do valor ou o valor-de-troca


  1. A forma simples , singular ou fortuita do valor
    1. Os dois pólos da expressão do valor: a forma relativa do valor e a forma de equivalente
    2. A forma relativa do valor
      1. O que significa
      2. Determinação quantitativa da forma relativa do valor
    3. A forma de equivalente
    4. A forma simples do valor, em seu conjunto







  1. A mercadoria


1. Os dois fatores da mercadoria: valor-de-uso e valor (substância e quantidade do valor)



- Fixação do objeto de análise: a mercadoria, a forma elementar da riqueza das sociedades capitalistas


- Caracterização da mercadoria como objeto externo possuidor de propriedades que satisfazem necessidades humanas (direta ou indiretamente)


- Duplo aspecto de uma coisa útil: qualidade e quantidade


- Significação de valor-de-uso: objeto externo cuja utilidade é determinada por suas propriedades objetivas. Mercadoria, sob esse aspecto, é também valor-de-uso ("um bem", pg. 58). Considerada a mercadoria como valor-de-uso, não importa a quantidade de trabalho para produzi-la; valores-de-uso pressupõem quantidades definidas. (Valor-de-uso e quantidade consubstanciadas.) Valor-de-uso se realiza na utilização ou consumo. No capitalismo: valores-de-uso como veículos materiais do valor-de-troca


- Significação de valor-de-troca: revela-se na relação quantitativa – na proporção em que se trocam -- entre valores-de-uso de espécies diferentes (mercadorias materialmente diversas, com propriedades objetivas incomparáveis, p. ex., ferro e manteiga). Relações-de-troca podem variar, i. e., apresenta-se uma multiplicidade de valores-de-troca para cada mercadoria em relação-de-troca com outra. (Ex: certa quantidade de x vale certa quantidade de z e certa quantidade de y; portanto, z e y são trocáveis entre si.)


- Consideração do que é revelado na relação-de-troca (a partir da quantidade): duas condições para a multiplicidade dos valores-de-troca: i) valores-de-troca de uma mercadoria são expressões de um mesmo significado, e ii) o valor-de-troca é a forma de expressão ou manifestação de "uma substância que dele pode se distinguir", pg. 59)


- Condição necessária para ocorrer a troca entre proporções (quantidades) de valores-de-uso diferentes: as mercadorias devem, antes, se igualar entre si, sendo reduzidas a um elemento do qual distinguem-se. Tal elemento opera a comunidade de mercadorias materialmente distintas (condição para a troca quantitativa; condição para o valor-de-troca)


- Elemento que iguala as mercadorias não pode estar contido nas mercadorias, i. e., não pode ser uma propriedade delas. As propriedades objetivas da mercadoria constituem sua utilidade, sob cujo aspecto ela é um valor-de-uso, portanto não um valor-de-troca. (Qualidades diferentes são incomensuráveis)


- De lado o valor-de-uso da mercadoria, sobra uma propriedade sempre presente nela: ser produto de trabalho humano. Mas, de lado o valor-de-uso, o trabalho torna-se abstrato. Trabalho abstrato como simples dispêndio de força de trabalho humana em geral, desconsiderada a utilidade (valor-de-uso) de seu produto. Trabalho abstrato produz mercadoria (valor-de-troca); trabalho concreto, valor-de-uso.


- Produto do trabalho abstrato como mera representação da força de trabalho empregada em sua produção.


- Trabalho: substância social. Mercadoria: configuração específica daquela substância. Tal configuração constitui os valores, ou os "valores-mercadoria", pg. 60


- Elemento comum que assenta como condição para a relação de troca (valor-de-troca): valor, sendo este uma configuração específica (e necessária) do trabalho humano abstrato. Valor como corporificação de trabalho humano abstrato. (Até aqui, considerou-se o valor em sua forma de valor-de-troca (mercadoria em relação de valor com mercadoria. A seguir, será tratado o valor independentemente de sua forma)


- Consideração da medição da grandeza do valor. Esta é determinada pela quantidade de trabalho abstrado contida na mercadoria (proporção entre quantidade de trabalho e valor). Quantidade de trabalho é medida pelo tempo de duração


- O tempo de trabalho, como critério de determinação da quantidade de trabalho, é estabelecido a partir de uma força média de trabalho ("trabalho humano homogêneo", pg. 60), i. e., levando-se em conta o tempo socialmente necessário para a produção de uma mercadoria. Tempo necessário varia de acordo com o grau de desenvolvimento de dada sociedade. Cf. exemplo na página 61.


- Grandeza do valor determinada pela quantidade (tempo) de trabalho socialmente necessário para a produção de um valor-de-uso. Quantidade (tempo) de trabalho varia de acordo com a força produtiva: perícia dos trabalhadores, ciência, tecnologia, condições naturais, etc.


- Grandeza do valor varia "na razão direta da quantidade [de trabalho] e na inversa da produtividade do trabalho que nela [mercadoria] se aplica", pg. 62.


- Considerações finais sobre o valor-de-uso e o valor. Valor-de-uso não se faz acompanhar necessariamente de valor. Tudo que tem utilidade, mas não se orienta para a troca, possui valor-de-uso sem valor




2. O duplo caráter do trabalho materializado na mercadoria


- Duplicidade do trabalho contido na mercadoria: trabalho útil (concreto) e trabalho abstrato. Trabalho concreto se patenteia na utilidade da mercadoria


- Especificidades dos trabalhos concretos geram valores-de-uso diferentes. Tais especificidades condicionam a possibilidade da troca. "Valores-de-uso idênticos não se trocam", pg. 64


- Análise da primeira faceta do trabalho contido na mercadoria: valor-de-uso


- Conjunto de valores-de-uso diferentes revela a divisão social do trabalho. Essa divisão não é condição suficiente para a existência de mercadorias, mas necessária. Condição para a divisão social do trabalho produzir mercadorias: trabalhos autônomos cujos produtos se troquem.


- Sociedade burguesa autônoma produtora de mercadorias gera complexa divisão social do trabalho: diferença entre valores-de-uso, portanto entre trabalhos úteis com produtos distintos, tornada ramo de negócio de produtores autônomos. Tal estrutura permite a autonomização dos produtos (e dos trabalhos), o que condiciona os valores-de-troca dos valores-de-uso


- Valor-de-uso: matéria fornecida pela natureza e informada pelo trabalho. Trabalho, portanto, não é fonte única de valor-de-uso. "O trabalho não é (...) a única fonte dos valores-de-uso que produz, da riqueza material." (...) "o trabalho é o pai, mas a mãe é a terra." pg. 65


- Análise da segunda faceta do trabalho contido na mercadoria: valor


- Retomada da idéia de trabalho médio. Trabalho simples médio é a força de trabalho natural do homem, podendo esta ser alterada de acordo com o grau de desenvolvimento de dada sociedade (forças produtivas). É sempre dado um trabalho médio


- Trabalho qualificado é trabalho simples potenciado, ou multiplicado. (Toda produção é trabalho humano). Trabalho qualificado é redutível a quantidades de trabalho simples.


- Valor representa a quantidade de trabalho simples (da qual nem todo produtor tem consciência). O trabalho doravante é considerado no seu núcleo fundamental, i.e., como trabalho simples


- Valores: cristalizações homogêas de trabalho (dispêndio de trabalho humano em geral). Ao se eliminar de consideração a utilidade do trabalho, aparece o valor como sua substância social


- Diversidade de grandezas de valores decorre quantidade de tempo de trabalho gasto


- Origem do paradoxo da relação entre produtividade (como produção de valores-de-uso) e valor, sob a perspectiva do trabalho, paradoxo que significa que aumento de produtividade gera desvalorização da mercadoria. Origem: duplicidade do trabalho (forma concreta e forma abstrata). Produtividade pertence à forma útil de trabalho; quanto maior a produtividade, maior a quantidade de valores-de-uso (lembrar que todo valor-de-uso vem determinado de quantidade). Desprovido de utilidade, caso em que trabalho produz valor, aumento da produtividade significa tempo de trabalho inalterado e produtos de trabalho com valor menor



  1. A forma do valor ou o valor-de-troca


- Mercadorias aparecem sob a forma de valores-de-uso, mas são mercadorias na medida em que constituem-se da duplicidade de serem valores-de-uso e valores


- Valor, substância social da mercadoria; valor-de-troca, configuração particular daquele valor. Valor se realiza na troca, através de sua forma (mercadoria). A seguir, análise dessa forma


- Possibilidade da troca assenta sobre a forma dinheiro do valor (dada a heterogeneidade das propriedades materiais dos objetos – por isso irredutíveis). Tarefa, portanto, para a análise daquela forma: elucidar a gênese do dinheiro, localizando sua raiz na forma mais simples de relação de valor


- Relação mais simples de valor: relação entre duas mercadorias de espécies (materialmente) diferentes. Esta é a expressão de valor mais simples de uma mercadoria (expressão se dá sempre em relação)


  1. A forma simples, singular ou fortuita do valor

i) Os dois pólos da expressão do valor: a forma relativa do valor e a forma de equivalente do valor.


(Ter em conta: quando se utiliza o termo expressão do valor, quer-se dizer aquela equação que iguala quantidades determinadas de mercadorias, p. ex., 1 bola de gude = 1 computador do milhão)


- Forma relativa do valor expressa seu valor através da materialidade da forma de equivalente. O papel da primeira é ativo; o da segunda, passivo.


- Ambas as formas se pertencem e repelem reciprocamente. Significa: na relação simples de valor, duas mercadorias não podem se apresentar sob a mesma forma (relativa-relativa, equivalente-equivalente). São necessárias, também, duas mercadorias materialmente diferentes (não se troca linho por linho; a equação 10m de linho = 10m de linho representa certa quantidade de valor-de-uso de linho)


- Valor da mercadoria sob a forma relativa expressa-se (manifesta-se) na mercadoria sob a forma de equivalente. Esta não expressa seu valor, apenas aparece como material para a expressão daquela mercadoria



ii) A forma relativa do valor

a) O que significa


- Revelar a razão pela qual a expressão simples de valor se circunscreve a uma relação de mercadorias exige tomar essa relação aquém do seu aspecto quantitativo. (Significa perguntar pela condição fundamental que permite que essa relação se efetue quantitativamente)


- Quantidade só se torna elemento da equação de troca de mercadorias distintas após estas terem sido, antes, reduzidas a uma substância comum. Apenas por isso se tornam comensuráveis.


- "Linha = casaco é o fundamento da equação", pg. 72. Essa sentença significa uma identidade mais profunda entre mercadorias do que a estabelecida pela quantidade. Não se trata, portanto, da equação 10m de linho = 1 casaco, em que quantidades determinadas de coisas determinadas se trocariam; senão que a identidade abrange as coisas elas mesmas


- Na relação simples de troca, só é expresso o valor da mercadoria sob a forma de equivalente. Esta mercadoria é a figura do valor (modo de manifestação do valor). Ex: substâncias químicas materialmente diferentes, mas com composições idênticas.


- Igualdade fundamental pressuposta na expressão da relação simples de valor: trabalho abstrato (homogêneo) contido nas mercadorias diferentes. Especificidade do trabalho criador de valor: equiparar-se com outro distinto dele mediante a eliminação de suas especificidades


- Trabalho que cria valor não é valor. Torna-se valor quando se cristaliza na forma de objeto.


- Forma física da mercadoria sob a forma de equivalente serve como meio de expressão do valor da mercadoria na forma de valor relativo. A mercadoria na forma de valor equivalente aparece como valor-de-uso (Doravante linho = forma relativa e casaco = forma equivalente.) Significado do casaco, portanto, uma vez em relação de valor com o linho, significa algo além de seu valor-de-uso – significa valor.


- Casaco é a materialização do valor do linho. Forma do valor do linho = valor-de-uso do casaco. "Por meio da relação de valor, a forma natural da mercadoria B [forma equivalente] torna-se a forma do valor da mercadoria A [forma relativa], ou o corpo da mercadoria B transforma-se no espelho da mercado da mercadoria A. (...) O valor da mercadoria A, ao ser expresso pelo valor-de-uso da mercadoria B, assume a forma relativa", pgs. 74-75


b) Determinação quantitativa da forma relativa do valor


- A forma do valor tem de expressar certa quantidade de valor, que representa certo tempo de trabalho. Quantidade de valor = magnitude de valor.


- Magnitude de valor se altera com modificações da produtividade nos trabalhos específicos (concretos). Análise de casos de influência de alterações da produtividade sobre a expressão da magnitude do valor (considerando 20m de linho = 1 casaco):


I – Valor do linho linho variável; constante o do casaco. Se o tempo de trabalho necessário para produzir 20m de linho dobra, seu valor, expresso na relação de valor com a mercadoria casaco, será 20m de linho = 2 casacos. Se, pelo contrário, o tempo de trabalho cai pela metade, o valor do linho será 20m de linho = ½ casaco. Permanecendo constante o valor do casaco (inalterado o tempo necessário para produzi-lo), o valor do linho varia diretamente de acordo com o valor do linho

II – Valor do linho constante, variável o do casaco. Se o tempo de trabalho necessário para a produção do casaco dobra, aumenta seu valor, sendo a equação então 20m de linho = ½ casaco. (Pois o casaco passa a valer mais.) Se o tempo de trabalho diminui, diminuindo seu valor, a equação é 20m de linho = 2 casacos. Valor do linho varia na razão inversa do seu valor relativo expresso no casaco.


- Dupla origem da variação da magnitude do valor relativo: i) 20m de linho = 2 casacos, ou por ter aumentado o valor do linho, ou por ter diminuído o valor do casaco; ii) 20m de linho = ½ casaco, ou por ter ou por ter caído o valor do linho, ou por ter aumentado o valor do casaco.


III – Quantidades de trabalho variam na mesma proporção e direção. Valor original se mantém: 20m de linho = 1 casaco. Para descobrir alterações de valor neste caso, é preciso comparar essas mercadorias com outra cujo valor tenha permanecido inalterado.

IV – Variações desproporcionais, em direções opostas: utilizar combinações em casos anteriores.

- Conclusão da análise dos casos: Expressões de valor não refletem alterações reais de magnitude de valor contida na mercadoria produto do trabalho concreto. Quer dizer: o valor do linho pode aumentar (o tempo de trabalho aumentar, portanto) sem que, em contrapartida, a expressão traduza, ou manifeste, o trabalho gasto em maior quantidade na produção do mesmo número de mercadorias. Pois, em uma expressão de valor, este é sempre determinado em relação ao valor de outra mercadoria, notadamente, em relação a uma mercadoria sob a forma de equivalente. "A verdadeira magnitude de valor não se reflete, portanto, clara e completa em sua expressão, isto é, na equação que expressa a magnitude do valor relativo.", pg. 77.



4. A forma de equivalente


- Se o linho expressa seu valor na forma material do casaco, este expressa seu valor sem tomar a forma de outra mercadoria como valor. O linho revela seu valor por ser o casaco trocável por ele (linho).


- O casaco constitui seu valor predominantemente pelo tempo de trabalho necessário à sua produção – esteja ele sob a forma relativa do valor ou sob a forma de equivalente. "Desempenhe o casaco a função de equivalente e o linho, a de valor relativo, ou, ao contrário, o linho, a de equivalente, e o casaco, a de valor relativo – o valor do casaco continua, como dantes, determinado pelo tempo de trabalho necessário à sua produção, independentemente, portanto, da forma do valor [da equação que expresse seu valor]", pg. 78 (Marx parece considerar o fato da posição social do casaco como mercadoria na sociedade)


- Na posição de equivalente, o casaco não ganha nenhuma expressão quantitativa de valor, mas de coisa (aparece como coisa)


- Como coisa, o casaco pode expressar a magnitude de valor do linho, mas nunca a magnitude do próprio valor. "(...) a forma de equivalente não contém nenhuma determinação do valor da mercadoria que a assume.", pg. 78 Por a mercadoria na forma de equivalente possuir forma de valor-de-uso (coisa), alguns erraram ao considerar a expressão de valor, a equação de valor, como relação puramente quantitativa de valor.


- Primeira peculiaridade da forma de equivalente: o valor-de-uso da mercadoria torna-se a forma de manifestação ("veículo material") do seu contrário, o valor. Isso acontece apenas na relação com outra mercadoria (relação de valor). Para uma mercadoria na forma de equivalente expressar seu valor, é preciso que se confronte com ela outra mercadoria materialmente diferente, caso em que esta se torna a mercadoria na forma de equivalente; assim, esta mercadoria materializa o valor da mercadoria anterior, incapaz de expressar seu valor como equivalente. Cf. exemplo do tijolo, pg. 79.


- Expressão do valor do linho no corpo do casaco oculta uma relação social.


- O casaco, pelo contrário, possui na própria forma o seu valor. Pois, na forma de equivalente, não se expressa seu valor no corpo de outra mercadoria. (Mas não é necessário que o casaco ocupe a forma de equivalente: "(...) as propriedades de uma coisa não se originam de suas relações com outras, mas antes se patenteiam nessas relações; por isso, parece que o casaco tem, por natureza, a forma de equivalente, do mesmo modo que possui as propriedades de ter peso ou de conservar calor.", pgs. 79-80)


Observação importante: ao dizer, no início, que o casaco, esteja na posição em que estiver, de equivalente ou de forma relativa de valor, é determinado pelo tempo de trabalho gasto em sua produção, Marx parece ter em vista o fato de que assim seja em determinada sociedade. Adiante, porém, ao dizer que a expressão do valor do linho no corpo do casaco esconde uma relação social e, em seguida, mostrar que a mercadoria a ocupar a forma de equivalente pode variar (Cf. início da pg. 80, em que mostra a variedade de mercadorias a ocupar tal forma), ele delineia o mecanismo pelo qual uma mercadoria se constitui como coisa com valor em si mesmo, sendo esta coisa com valor em si mesmo um produto de uma relação social particular que determina a posição das mercadorias na expressão de valor, i.e., determina a própria relação de troca, em que a mercadoria sob a forma de equivalente não aparece como estando em relação com outra mercadoria, mas como a forma mesma do valor.


- Corpo da mercadoria que serve de equivalente encarna trabalho abstrato e é produto de trabalho de trabalho útil. Consequência: trabalho concreto torna-se trabalho abstrato. (Lembrar que o trabalho concreto se realiza no produto como valor-de-uso). Assim, o trabalho concreto envolvido na produção de um casaco torna-se forma de trabalho em geral. Como forma específica de trabalho em geral (especificidade: ser abstrato), ele iguala-se ao trabalho abstrato contido na outra mercadoria com a qual se relaciona, o linho. Ao mesmo tempo em que a diferenciação dos trabalhos concretos produz mercadorias distintas, estas são igualadas no seu fundamento originário como valor (lembrar a dualidade do trabalho como trabalho útil e abstrato ao mesmo tempo)


- Na expressão do valor, no entanto, o casaco (forma de equivalente) é a materialização, atraves de seu valor-de-uso, do valor do linho (valor relativo), do qual é forma.


- Consequência: Segunda peculiaridade da forma de equivalente: trabalho concreto torna-se forma de manifestação do trabalho abstrato (seu contrário). (Ao produzir o valor-de-uso casaco, este mesmo valor-de-uso é veículo material do valor do linho nele corporificado)


- Trabalho abstrato, como trabalho privado, é também trabalho diretamente social. Por ser trabalho social, está representado em uma mercadoria permutável por outra mercadoria, socialmente, também como produto de trabalho abstrato.


- Consequência: Terceira peculiaridade da forma de equivalente: trabalho privado torna-se forma de manifestação do seu contrário, i.e., trabalho social.


- Reconhecimento, em Aristóteles, a primeira análise sobre a forma do valor: identificou-se a necessidade de uma terceira "entidade" que mediasse a relação de valor. Não se chegou, contudo, ao trabalho humano como criador de valor, responsável pela mediação implícita na relação de valor. Pelas limitações históricas (escravatura: desigualdade de homens e suas forças de trabalho), Aristóteles não pôde reconhecê-lo como fundamento.


- Condições para a identificação do trabalho humano como criador de valor: universalização do trabalho, da consciência da igualdade entre os homens, a forma geral do produto do trabalho como mercadoria e, em consequência, "a relação dos homens entre si como possuidores de mercadorias [como] relação predominante.", pg. 82




4. A forma simples do valor, em seu conjunto


- Qualitativamente, o valor da mercadoria A expressa-se pela permutabilidade direta entre a mercadoria B com a mercadoria A (redução de ambos os trabalhos a trabalho abstrato)


- Quantitativamente, pela permutabilidade de determinada quantidade de B por A


- O valor se origina na incorporação de trabalho humano às mercadorias, e não na expressão de valor (relação de valor, relação de troca), ao contrário da economia política burguesa.


- Contradição interna da mercadoria revela-se na oposição entre duas mercadorias distintas: a mercadoria, formada por valor-de-usoe valor, tem sua natureza contraditória revelada na relação de valor em que uma (relativa) precisa da outra (equivalente) para expressar seu valor.


- Todos os estágios sociais da história produziram valor-de-uso. Mas apenas o modo de produção capitalista incorporou trabalho humano como propriedade "objetiva" [aspas feitas por Marx] de seus produtos.


- No capitalismo, forma simples do valor é a forma-mercadoria elementar do produto do trabalho: a forma-mercadoria é a primeira forma do valor (forma de apresentação do valor)


- Tal forma, embrionária, desenvolve-se adiante na forma preço do valor.


- Ao estabelecer uma relação particular com B (equivalente), a mercadoria A (relativa) passa a ter diversos valores-de-troca: "O número das possíveis expressões de valor dessa única mercadoria só é limitado pelo número das mercadorias que lhe são diverente. Sua expressão singular de valor converte-se numa série de expressões simples de valor, sempre ampliável.

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