sábado, 22 de maio de 2010

O Processo de Troca

Fichamento de Felipe de Cordova, apresentado no dia 08/05/2010, sobre o capítulo II de O Capital ("O processo de troca") no grupo de estudos do O Capital.


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As mercadorias são, primeiramente, coisas. Para relacioná-las entre si enquanto mercadorias, os responsáveis por tais coisas agem de forma a que elas tornem-se manifestação de suas vontades. Assim, na troca, um se apossa da mercadoria do outro, e aliena a sua para ele, somente com o consentimento de ambos, isto é, com o “ato voluntário” de ambos. Há um reconhecimento recíproco das partes envolvidas como proprietários privados.

O momento da troca situa as partes envolvidas na posição de proprietários privados de coisas, nas quais reside sua vontade: mercadorias. Colocam-se, portanto, numa relação de vontade, uma relação jurídica. O conteúdo dessa relação, no entanto, é econômico. As vontades humanas que aqui agem são, na verdade, representantes de relações econômicas. As pessoas envolvidas são representantes de mercadorias.

As mercadorias se relacionam entre si de modo que se consideram reciprocamente como simples manifestação de valor. A mercadoria não tem valor-de-uso para o seu proprietário inicial, e por isso é levada ao mercado, pois tem valor-de-uso para outros. Seu único valor-de-uso para o proprietário reside em ser meio de troca. “Todas as mercadorias são não-valores-de-uso, para os proprietários, e valores-de-uso, para os não-proprietários”. Deverão então ser trocadas e, no momento da troca, as mercadorias se relacionam e se realizam como valor, para só então realizarem-se como valor-de-uso.

Para o proprietário, a troca é um processo individual, pois ele busca um valor-de-uso que satisfaça uma necessidade sua. Sua mercadoria, que não tem para ele valor-de-uso, ele procura realizá-la enquanto valor e, para isso, a considera como equivalente geral de todas as outras mercadorias, cada uma sendo equivalente particular da sua, pois se trata ainda de troca direta. Mas todos os proprietários pensam da mesma maneira, de modo que não há um único equivalente geral. Isso ocorre porque as mercadorias estão ainda sendo confrontadas enquanto produto ou valor-de-uso, pois cada proprietário vê apenas a sua mercadoria como suporte de valor, como equivalente geral; mas vê as outras como valores-de-uso.

Para relacionar suas mercadorias enquanto valores e, assim, efetivamente enquanto mercadorias, os proprietários comparam-nas com um equivalente geral. O impulso individual que leva o proprietário à troca (antes, troca direta) deve passar pela mediação de um processo social que elege uma mercadoria como equivalente geral; representante do valor de todas as outras. A função social dessa mercadoria passa a ser então especificamente a de ser equivalente geral: dinheiro.

Só aí a mercadoria se realiza enquanto tal. E, para ser valor-de-troca, ela deixa de ser valor-de-uso, o que ocorre quando o produto útil se torna excedente. Assim, o proprietário pode alienar sua propriedade. Essa alienação deve ser recíproca, e para isso se faz necessário que ambos os proprietários se reconheçam como tais e como pessoas independentes. No interior da comunidade primitiva, na qual não havia esse reconhecimento, não havia troca. Somente pelo contato com outras comunidades a troca começa a surgir, pois aparecem novos valores-de-uso desejáveis. Com o tempo produzir-se-á especificamente para a troca, num processo de dissociação entre o valor-de-uso e o valor-de-troca das coisas produzidas.

A forma equivalente geral surge espontaneamente no processo de troca. A necessidade dessa forma cresce proporcionalmente ao crescimento do número e da variedade de mercadorias no processo de troca. “O problema surge simultaneamente com os meios de sua solução” (p. 113). A princípio é casual a determinação da mercadoria à qual se ligará a forma equivalente geral, mas dois fatores podem ser considerados, em geral, decisivos: essa forma se fixará nos artigos fornecidos pelo estrangeiro; ou no objeto que representa o elemento principal do patrimônio alienável da comunidade.

Para melhor representar o valor, e tornar possível o cálculo da magnitude do valor do trabalho abstrato, é preciso que a mercadoria na qual se fixa a forma dinheiro tenha espécimes isolados com qualidade idêntica. Daí a conveniência de metais como ouro e prata para assumir tal forma.

A função social – de equivalente geral – que a forma dinheiro desempenha confere à mercadoria à qual se fixa um valor-de-uso extra. Ela se torna, em relação às outras mercadorias (mercadorias especiais), uma mercadoria universal; reflexo das relações entre todas as mercadorias. A forma dinheiro é exterior à coisa na qual se fixa, “sendo pura forma de se manifestarem relações humanas atrás dela ocultas” (p. 115).

O processo de troca, ao transformar uma mercadoria em dinheiro, lhe confere sua forma específica de valor, e não seu valor. O dinheiro, enquanto mercadoria, só pode ter a magnitude de seu valor expresso relativamente, em outras mercadorias. A mercadoria tornada dinheiro tem seu valor determinado pelo tempo de trabalho necessário para sua produção.

Na expressão do valor, em que x da mercadoria A = y da mercadoria B, há uma aparência de equivalência como propriedade natural da coisa trocada. Essa aparência ilusória surge quando a forma equivalente geral é cristalizada nas propriedades materiais da coisa ou no dinheiro, como se o valor fosse propriedade e não relação. Por isso se acreditava erroneamente que ouro e prata eram naturalmente dinheiro. “O enigma do fetiche dinheiro é, assim, nada mais do que o enigma do fetiche mercadoria em forma patente e deslumbrante” (p. 117).

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