sábado, 26 de julho de 2008

Crise de alimentos?


Por Willian Luiz da Conceição - Movimento dos trabalhadores Sem-Terra (MST/SC)


Durante mais de quatro meses, o mundo se vê apreensível por conta de uma suposta grave e aguda crise de alimentos em todo o planeta, que afeta principalmente os países taxados como "subdesenvolvidos ou atrasados", mesmo estes tendo uma das maiores áreas plantáveis do mundo. Segundo o relatório de Direitos Humanos da ONU mais de 100 mil pessoas, em especial crianças e idosos, morrem de fome todos os dias.

No Brasil além do aumento no preço de alimentos básicos e mais utilizados pela maioria da população como o arroz e o feijão, aparentemente o fantasma do passado chamado inflação começa a atormentar novamente os brasileiros. Num supermercado em Joinville um quilo de feijão "carioquinha" chegou a custar 10 reais no mês de julho.

A grande mídia principalmente a rede globo de jornalismo omite os debates acerca desse problema de alimentos realizando matérias superficiais que mais confundem do que esclarecem a população, informando que o problema é que faltam alimentos, coisa não verdadeira, por que a produção mundial cresceu 4% na safra 2006/07 e a produção de milho, em especial cresceu 24% em todo planeta, "Com os recursos naturais que temos, bem como a produção já disponível poderíamos alimentar sem problemas 12 bilhões de pessoas. Quase o dobro da população mundial atual que é de 6,2 bilhões". Comenta o presidente da FAO, Jacques Diouf. Então quais os verdadeiros motivos para essa "crise de alimentos"?

A crise da produção de alimentos é conseqüência da liberação geral do comércio de produtos agrícolas, possibilitando que as empresas transnacionais como: BUNGE, MONSANTO, CARGILL, ADM, NESTLÉ, UNILEVER, SYNGENTA, COCA-COLA, PARMALAT, DANONE e RALSTON PURINA e outras controlem a produção e o comércio dos principais produtos agrícolas (sementes, fertilizantes e maquinários), as políticas neoliberais iniciadas na década de 90 e fortalecidas nos governos FHC e Lula estão tirando a capacidade do Brasil de produzir alimentos que nossa população necessita por conta de uma política voltada ao agronegócio e a monocultura principalmente da cana-de-açúcar e da soja para exportação e tendo o mercado (multinacionais, latifundiários e especuladores) controlando as bolsas de produtos agrícolas, de compra e venda atual, e por isso tendo o poder de manipular os preços de alimento básicos e sem benefício nenhum aos pequenos, médios agricultores e aos camponeses (maiores produtores de alimentos, cerca de 65% da totalidade consumida internamente), tendo esses, e os mais pobres como as maiores vítimas mundiais. "A fome e a desnutrição não são efeitos de fatalidade ou de eventos geográficos. Ela é resultado da exclusão de milhões de pessoas do acesso a terra, água, sementes, conhecimentos e bens da natureza para produzirem sua própria existência, ela é resultado das políticas impostas pelos países desenvolvidos, por suas transnacionais e seus aliados nos paises pobres do sul na perspectivas de manter a continuidade da hegemonia política, econômica, cultural e militar sobre o atual processo de reestruturação econômica global". Declara o relator de direitos da alimentação das Nações Unidas, Sr. Jean Zigler.

Ainda no atual momento se discuti os problemas e contribuições dos agrocombustiveis na crise e segundo o Relator da ONU para os Direitos Humanos: "A Expansão do cultivo dos agrocombustiveis é uma temeridade, substitui os alimentos, eleva os preços e se constitui num crime, contra os pobres". Na região Centro-sul do Brasil maior defensor internacional do etanol já se vê a cana-de-açúcar substituindo as lavouras de milho, mandioca e feijão, bem como a pecuária de leite e a pecuária de corte. O governo Lula da a seguinte explicação ao aumento dos preços: "A culpa é dos subsídios que os governos dos países ricos dão aos seus produtores. Se caíssem os subsídios, os agricultores do sul poderiam aumentar sua produção e exportar para eles a menor preço".Lula. O presidente Lula critica outros países por protegerem seu mercado e investir em seus produtores, porque Lula não faz o mesmo no Brasil?

Por tanto não há uma crise de alimentos. Há uma situação de aumento especulativo dos preços, que não esta relacionada com a oferta e a procura. A causa da fome e a desnutrição estão relacionadas com a distribuição de renda nos países, com a oportunidade de trabalho, e fundamentalmente com políticas que estimulem e garantam a produção agrícola. Hoje as 255 maiores fortunas pessoais do mundo, somadas, possuem uma renda equivalente a toda renda de 2,5 bilhões de pessoas em todo mundo, ou seja, acumulam o equivalente a 40% de toda população mundial. Nos últimos 5 anos não houve diminuição da produção, ao contrário, a produção seguiu crescendo mais do que a população do planeta.

Também o modo de produção agrícola (Revolução Verde), baseado no uso intensivo de fertilizantes químicos, agrotóxicos e mecanização intensiva têm afetado o equilíbrio e a fertilidade dos solos, além de ameaçar a água potável. Devido às essas técnicas agrícolas que exigem irrigação intensa hoje se consome 70% de toda água potável do mundo na agricultura. Estima-se que desde a Revolução Verde (monocultura de pinos, eucalipto etc.) cerca de 45 milhões de hectares tenham sidos danificados, bem como há hoje, no mundo, 1,6 bilhões de pessoas que não tem acesso à água necessária. Esse modelo tecnológico está fadado ao fracasso em todo planeta.

A Via Campesina Internacional, através dos movimentos socias dão propostas para a saída dessa "crise", e pontuam algumas necessidades como a de reconstruir as economias baseadas em políticas que busquem e incentivem a soberania alimentar de cada país; regulando e controlando o mercado internacional de produtos agrícolas e aplicando direitos básicos; garantindo e estimulando a produção de alimentos entre seus principais produtores – os camponeses; impedindo que a OMC (Organização Mundial do Comércio) siga ditando normas para o comércio agrícola mundial; realizar a reforma agrária nos países que as terras não foram democratizadas. É necessário que os Estados retomem com todas as forças as políticas agrícolas públicas, porém agora voltadas apenas para a agricultura camponesa, tendo como principais políticas agrícolas necessárias o crédito rural subsidiado na produção, garantia de compra da produção camponesa, seguro agrícola, assistência técnica, extensão rural do Estado (gratuita), sistema de armazenamento público e que a produção de agrocombustiveis deve estar subordinada à política de soberania alimentar e energética, ou seja, que não substitua áreas de produção de alimentos e nem que afete biomas e ecossistemas ricos como a Amazônia, mas que seja combinada em pluricultura. Assim, cada comunidade pode produzir, sem monocultivo, a energia que precisa para seu bem estar.

Um comentário:

Unknown disse...

Oi companheiro!
A respeito do relator da ONU atacar a política de biocombustíveis brasileira, existe um pronunciamento do Lula q achei muito esclarecedor, uma boa analise de conjuntura sobre o atual momento da geopolítica mundial. Tudo é histórico. Qdo a gente tem maior clareza do processo de formação dos fatos hj estampados pela mídia (q mostra só um lado da notícia, como bem relataste), nossos palpites sobre o determinados assuntos ficam melhor qualificado, não é verdade?!

ai está o link do discurso:

http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u408450.shtml