sexta-feira, 10 de agosto de 2007

Salário, Preço e Lucro - primeiras aproximações

MARX, Karl Salário, Preço e Lucro, Trad. Leandro Konder. São Paulo: Abril Cultural, Col. “Os Economistas”, 1982.

[Observações preliminares]

A questão que movimenta Marx em sua exposição sobre a natureza da organização da economia em uma sociedade, com ênfase em sua relação com os salários, foi posta prática e teoricamente: greves acontecendo pelo Continente e a intervenção teórica de John Weston, que advogava a tese segundo a qual a luta pela elevação dos salários não pode melhorar a situação dos operários e que essa luta deve ser considerada prejudicial para as tradeunions. Ainda que Marx concorde com a idéia que serve de base às teses de Weston, é impossível a ele concordar com essas teses em seu formato atual.

[Produção e Salários]

Weston, segundo Marx, parte de duas premissas: 1) o volume da produção nacional é fixo, uma grandeza constante; e 2) o montante dos salários reais (salários medidos pelo volume de mercadorias capazes de adquirir) são também uma grandeza constante.

A primeira premissa é evidentemente falsa porque a) o valor e o volume da produção aumenta, b) as forças produtivas crescem e c) o dinheiro que põe essa produção em circulação varia. O volume da produção nacional cresce continuamente – portanto não é fixo, mas variável –, e isso ocorre sem se levar em conta a flutuação demográfica, mas sim as mudanças que se operam na acumulação de capital e nas forças produtivas. Portanto, um aumento de salários não alteraria imediatamente o volume da produção. Marx termina a refutação da primeira premissa concluindo que mesmo depois do aumento de salários a produção, se era variável, continuará do mesmo modo.

No próximo passo da argumentação, Marx demonstra que conquanto a produção fosse fixa, não haveria como se deduzir as conclusões de Weston, isto é, o não aumento dos salários. O argumento é o seguinte: mesmo a produção sendo fixa, os montantes de salários poderiam variar de acordo com a relação lucro/salário. Ainda que haja limites absolutos, mesmo assim haveria uma margem de variação dos limites relativos. Como no exemplo dado pelo Autor, um limite absoluto 8, pode aceitar a variação de salários, a princípio 2, e lucros, a princípio 6, fazendo esse lucro abaixar até 2 e o salário aumentar até 6, sem sair do limite absoluto 8.

No terceiro momento, Marx assumirá a premissa 2 de Weston para demonstrar que dela, se fosse verdadeira, se obteriam mais conclusões do que Weston está ciente. Ora, se o montante dos salários é constante, ele não pode aumentar e tampouco diminuir. Portanto, os capitalistas estariam agindo tão erradamente quanto os operários ao imporem uma baixa de salários. Como há uma “lei” segundo a qual os salários são fixos, essa baixa geraria uma reação, que nada mais seria do que a luta dos operários contra a baixa dos salários, por conseguinte, pelo aumento deles. Isto é, mesmo aceitando a premissa de que os salários são constantes, há certas situações nas quais é necessário que haja lutas pelo seu aumento, daí das premissas não se seguirem as conclusões.

Segundo Marx, a argumentação de Weston, se adotada com radicalidade, o levaria a negar suas premissas e aceitar a conclusão segundo a qual ainda que não se possa aumentar os salários, deve-se acatar toda a baixa segundo a vontade dos capitalistas. Em suma, ao invés do estudo da Economia Política, Weston acabaria refém de um método empobrecedor que elencaria a “vontade” como critério para a explicação dos fenômenos econômicos, como no caso de se perguntar o porquê os trabalhadores dos Estados Unidos terem salários mais altos do que os trabalhadores ingleses. A resposta dessa questão, segundo o Autor, nos leva a ir “além dos domínios da vontade”. Não é que Marx negue aos capitalistas uma vontade (que é “encher os bolsos”), mas o problema é que propriamente isso nada explica. Ora, se a vontade dos capitalistas é igual – e é –, porque ela não se aplica uniformemente nos EUA e na Inglaterra? Porque há algo mais a ser explicado que independe dessa vontade, a saber, o poder dessa vontade, os limites desse poder e o caráter desses limites, objetos do próximo capítulo.

[Produção, Salários e Lucros]

O argumento de Weston é que um aumento de salários não aumentaria o salário real, portanto continuaria estacionado no mesmo volume de mercadorias capaz de adquirir antes do aumento. Isso porque o salário é fixo, ainda que Weston não explique o porquê dessa fixidez. Marx então denuncia o dilema no qual a argumentação de Weston se vê colocada: ou o montante de salários é definido por uma lei (e é constante, cabendo a Weston explicar essa lei) ou é definido pela vontade do capitalista (portanto variável).

Weston, para ilustrar sua teoria, utiliza o exemplo de uma terrina com uma determinada quantia de sopa para certo número de pessoas, argumentando que por maior que seja o tamanho das colheres, a quantidade de sopa não aumentará. Marx empreenderá uma crítica a essa ilustração. Ora, se a terrina pode ser considerada a possibilidade de criação de riqueza e o conteúdo da terrina pode ser considerado a riqueza propriamente dita, é somente devido ao tamanho das colheres que os operários não podem desfrutar mais do produto nacional.

Voltando a argumentação de Weston, o motivo que permite ao capitalista devolver o mesmo número de mercadorias é porque ele, na mesma medida em que aumenta os salários, aumenta o preço das mercadorias. Então, se deduz que para Weston essa alta é provocada pela “simples vontade” do capitalista. Para Marx, no entanto, é necessário certos critérios para o aumento do preço das mercadorias. A pergunta a ser feita é: qual é o mecanismo que possibilita que o aumento dos salários interfira no aumento dos preços? Influindo na oferta e procura das mercadorias.

Marx buscará explicar a influência desse mecanismo através dos seguintes movimentos: 1. a classe operária gasta a maior parte dos seus salários em gêneros de primeira necessidade; 2. um aumento de salários aumentaria a procura desses gêneros, bem como seus preços; 3. os capitalistas que vendem artigos de primeira necessidade compensariam a alta dos salários dos seus empregados com a alta dos preços de seus próprios produtos; 4. todavia, os capitalistas que não produzem gêneros de primeira necessidade (que, segundo Marx, são em grande número) não poderiam compensar a queda da taxa de lucro (devido ao aumento dos salários) elevando o preço das suas mercadorias, haja vista que elas não tenham aumentado em procura; 5. tendo em vista que suas rendas baixaram, teriam menos dinheiro ainda para comprarem artigos de luxo, reduzindo mais ainda a sua procura por essas mercadorias; 6. como conseqüência, cairia mais ainda os preços de suas mercadorias. Portanto, neste ramo da indústria a taxa de lucro cairia não somente em proporção ao aumento de salários, mas também devido ao aumento dos preços dos gêneros de primeira necessidade e a baixa dos artigos de luxo.

No entanto, a diferença entre as taxas de lucro seria superada pelo deslocamento do capital dos ramos menos lucrativos para os mais lucrativos. Esse deslocamento duraria até que a oferta no ramo industrial mais lucrativo aumentasse a ponto de suprir a procura (no exemplo em questão, a indústria de artigos de primeira necessidade) e nos ramos da indústria menos lucrativos (artigos de luxo) a oferta diminuísse até a satisfação da pouca procura. Assim, estaria estabelecido um determinado equilíbrio entre a oferta e procura, fazendo a taxa geral de lucro igualar-se por toda a indústria. Dessa maneira, por conseguinte, haveria, no total, uma redução da taxa geral de lucros sem influir permanentemente no preço das mercadorias.

Marx admite que deu por estabelecido que o aumento dos salários dos operários é todo gasto em artigos de primeira necessidade. Mas fez isso em proveito de Weston, pois se houvesse aumentado o acesso as mercadorias, ficaria provado, desde já, que o poder aquisitivo dos operários havia sofrido melhora. De acordo com o exemplo da terrina, o aumento de salário dos operários corresponde a exatamente a diminuição do poder aquisitivo dos capitalistas, isto é, ao aumento de suas colheres.

Independente da maneira pela qual os operários gastem seus salários (gastando por igual em todos os artigos de consumo ou somente nos gêneros de primeira necessidade), a alta desses salários imprimirá uma diminuição dos lucros dos capitalistas, sem elevação permanente do preço das mercadorias.

Até o § 20, Marx se utilizará de exemplos que confirmam sua teoria. Para ilustrar, lembra da aplicação da Lei das Dez Horas. Os representantes científicos dos capitalistas da época diziam que a aplicação dessa lei deixaria em ruína toda a economia: diminuiria o trabalho e consequentemente a produção, não haveria mais lucros, se consumaria um descontrole nos preços etc. A aplicação da lei, entretanto, foi o oposto: os salários aumentaram, a produção cresceu e os preços abaixaram.

O capítulo é finalizado com Marx reduzindo o argumento de Weston a sua forma abstrata: “todo aumento da procura se opera sempre à base de um dado volume de produção”, daí que nunca aumente a oferta, mas sempre e somente os preços. Na realidade, porém, ou o aumento da procura em nada altera nos preços ou a demanda, ao invés de um aumento nos preços, implica em um aumento da oferta (deslocamento do capital).

[Salários e Dinheiro]

Nesse capítulo, Marx se posicionará contra, segundo ele, o velho dogma de Weston revestido de novas formas, a saber: a fixidez da moeda impossibilita o pagamento de uma maior quantidade de salários. O Autor começa discorrendo sobre o sistema de pagamentos na Inglaterra, um sistema aperfeiçoado que é capaz de com um único soberano (1 libra), supondo que o trabalhador ganhe uma libra por semana, pagar as 52 semanas do ano. A moeda serve para circular uma determinada quantia de valores, quanto mais rápido for esse ciclo, menos moeda será necessária para movimentar uma determinada quantia. Em sistemas pouco eficazes de pagamento, é necessário muito mais moeda para pagar salários baixos (em comparação com a Inglaterra, por exemplo). Em suma, “é uma questão meramente técnica e, como tal, estranha ao nosso assunto”.

Exemplificando, Marx toma os anos de 1862 e o ano de 1842. Apesar do enorme aumento de mercadorias em 62, a quantidade de moeda pouco se modificou em comparação, o que mostra a modernização dos meios de pagamentos independente da quantidade de moeda em circulação. O erro de Weston, dessa vez, foi considerar como fixo os meios de pagamento e o mecanismo que os rege.

[Oferta e Procura]

O próximo passo de Marx é indagar Weston sobre sua afirmação contrária ao aumento de salários, contra os salários altos. Pois, põe a perguntar o Autor, o que é um salário alto? Weston não padroniza suas referências de “alto” e “baixo”, repetindo o senso-comum e sendo incapaz, assim, de saber “por que se paga uma determinada soma de dinheiro por uma determinada quantidade de trabalho”. Se Weston respondesse que assim é por conta da lei da oferta e da procura, caberia perguntar que lei regula essa lei. Isso porque, segundo essa própria lei, é comum as altas e baixas periódicas dos salários – quando a procura é mais que a oferta, os salários sobem, do contrário, os salários descem –, o que é contrário à doutrina de Weston.

De qualquer maneira, não é a oferta e a procura que regulam o valor do trabalho. Essa lei só regula as “oscilações temporárias dos preços no mercado”, explicando porque os preços sobem ou descem em relação ao valor do artigo em questão, mas não o próprio valor desse artigo pelo qual essa lei se referencia. Há momentos nos quais a procura e a oferta se equilibram, não mais interferindo no preço, e, nesse momento, o preço coincide com o valor.

[Salários e Preços]

Marx reduz a idéia principal de Weston a sua expressão mais básica: “Os preços das mercadorias são determinados ou regulados pelos salários”. Em um primeiro procedimento para refutar essa idéia, Marx se utilizará de um argumento empírico: na Inglaterra, onde há trabalhadores – principalmente operários fabris, mineiros, construtores navais e outros – cujo trabalho se mostra bem pago relativamente, as mercadorias que produzem são as mais baratas. Ao contrário, no mesmo país ainda, os trabalhadores agrícolas, cujo trabalho é mal pago relativamente, tem suas mercadorias cotadas como as mais caras em comparação a outros países. Todavia, Marx prescindirá desse expediente e buscará refutar Weston em outro âmbito.

O argumento de Weston – ainda que não formulado – é que o principal componente que determina os preços das mercadorias é o salário, seguido pelo lucro e pela renda do solo. Estes dois são majorações sobre o salário. O lucro e a renda do solo nunca foram devidamente explicados pela Economia Clássica: tomavam-se esses elementos como fixados pela “tradição, costume, vontade do capitalista, ou por qualquer outro método igualmente arbitrário e inexplicável”. Explicar o lucro pela concorrência é insatisfatório da mesma maneira, pois à concorrência cabe nivelar as taxas de lucro, mas não determiná-la.

Marx explicitará o que está pressuposto no raciocínio de Weston: determinar o preço da mercadoria pelo salário é determiná-la pelo preço do trabalho, que por sua vez é um valor de troca expresso em dinheiro, que equivale à seguinte máxima “O valor das mercadorias é determinado pelo valor do trabalho”. Isto é, “O valor do trabalho é a medida geral do valor”.

A questão que toma corpo é: como determinar o valor do trabalho? Daqui em diante é impossível seguir se na companhia de Weston. A teoria de Weston nesse momento cai em um círculo vicioso, chegando à conclusão de que o valor do trabalho determina o valor da mercadoria e o valor da mercadoria determina o valor do trabalho. O círculo está em se definir o valor de algo por outro algo (mercadorias por mercadorias). Em sua forma abstrata, Weston postulou o equivalente a “o valor se determina pelo valor”.

[Valor e Trabalho]

Entrando propriamente em sua contribuição, a partir desse capítulo Marx irá expor suas próprias concepções. A primeira pergunta a ser feita é: “Que é o valor de uma mercadoria? Como se determina esse valor?”. A princípio, nos parece que o valor é completamente relativo e que só pode ser compreendido como valor de troca, cujo conceito nada mais é do que a quantidade proporcional pela qual são trocadas as mercadorias. Todavia, como são reguladas essas proporções de trocas entre mercadorias? Do ponto de vista das trocas, as proporções são infinitas. É possível trocar uma mercadoria por diversas outras em diferentes quantidades. No entanto, o valor da mercadoria é sempre o mesmo, mesmo que a mercadoria X seja trocada por ouro, cereal, tecido etc. A investigação de Marx tentará expressar esse valor em algo outro que não as próprias trocas, reduzindo-o a um terceiro elemento que não está imediatamente presente. Na esteira dessa tentativa, ele dá o exemplo do triângulo, no qual expressamos sua comparação com um retângulo, por exemplo, em uma equação, numa outra forma distante de sua forma visível e imediata.

No § 7, Marx definirá os principais conceitos que trabalhará daqui para frente. Os valores de troca das mercadorias são “funções sociais” delas, e não mais “propriedades naturais”. A que, então, socialmente, é possível reduzir todas as mercadorias? Qual é a “substância social” das mercadorias? Esta substância é o trabalho. A produção de uma mercadoria exige a inversão – de maneira pouco rigorosa, a colocação ou incorporação – de uma quantidade de trabalho nela. Sendo que, esse trabalho tem de ser trabalho social. A produção de algo para uso pessoal e direto é a criação de um produto, e não de uma mercadoria. Para satisfazer a condição de mercadoria é necessário: 1) que esse algo seja criado para a satisfação de uma necessidade social qualquer e 2) que o trabalho incorporado deverá ser uma parte do trabalho global da sociedade, participando da divisão social do trabalho. Ao se ver uma mercadoria, considerada em seu valor, se vê apenas o trabalho social já realizado ou plasmado nela. A diferença de valor entre as mercadorias é uma diferença de quantidade de trabalho, essa quantidade medida pelo tempo que dura o trabalho (dias, horas etc).

Recapitulando: uma mercadoria tem valor por ser uma “cristalização de um trabalho social”. A grandeza de seu valor – ou do valor relativo – é mensurada pela quantidade de trabalho social a ela incorporado, levando-se em consideração o tempo de produção.

A diferença entre a teoria do valor segundo a qual é o salário que define os preços das mercadorias e a teoria segundo a qual é a quantidade de trabalho que define o preço da mercadoria é a mesma diferença que existe entre retribuição do trabalho e quantidade de trabalho. Supondo, de acordo com o exemplo de Benjamin Franklin, que haja equivalência entre um quarter de trigo e uma onça de ouro, essa equivalência é tributária da quantidade de trabalho invertida a cada uma dessas mercadorias e não aos salários dos trabalhadores que as produziram.

Marx, prevendo uma possível objeção, dirá que, se o valor de uma mercadoria se determina pela quantidade de trabalho, a despeito da demora de fabricação de uma mercadoria por um operário inábil, essa mercadoria não terá mais valor que uma mesma mercadoria feita por um operário hábil. Isso porque o tempo que se leva em conta na criação de valor é o tempo social necessário para a fabricação, dentro de uma dada condição média de produção. Por exemplo, o tear manual e o tear a vapor. A partir da invenção deste último, a quantidade de tempo social necessário á produção de uma jarda de fio são 10 horas. O anacrônico trabalhador do tear manual tinha que trabalhar 20 horas para a produção da mesma quantidade. Todavia, seu trabalho de 20 horas, a partir da invenção do tear a vapor, tem o mesmo valor do trabalho de um operário fabril que trabalha por 10 horas. Isso tudo porque o tempo social necessário de produção se modificou. Além disso, isso mostra dois resultados: 1) que a criação de valor está intimamente ligada ao estado das forças produtivas (no exemplo, o tear a vapor) e 2) quanto mais trabalho é necessário, maior o valor da mercadoria, quanto menos trabalho, menor esse valor.

De maneira mais rigorosa: “Os valores das mercadorias estão na razão direta do tempo de trabalho invertido em sua produção e na razão inversa das forças produtivas do trabalho empregado”.

O preço e o lucro, isso posto, serão agora objetos de estudo. Que é o preço? “o preço outra coisa não é senão a expressão em dinheiro do valor”. Os preços do mercado são os mesmos para as mercadorias do mesmo tipo. Isso porque o mercado expressa a quantidade média de trabalho necessário para a criação dessas mercadorias. O preço mercado coincide com o seu valor, exceto nas diferentes ocasiões de oscilação entre a oferta e a procura, mas a tendência é que o preço, em geral, coincida com o valor. Por fim, Marx enunciará o estranho paradoxo segundo o qual “as mercadorias se vendem por seus respectivos valores” em média e, portanto – exceto em casos isolados – o lucro não é uma majoração do preço, pois se o preço estiver majorado a mercadoria em questão sequer se venderia. Ou seja, o lucro acontece quando a mercadoria é vendida por seu valor.

[Força de Trabalho]

A expressão “valor do trabalho”, tendo em vista o definido acima, não tem sentido, haja vista que cabe ao trabalho criar o valor, portanto saber qual é o valor do trabalho é como perguntar: “quanto trabalho está encerrado em 10h de trabalho?” e receber a tautológica resposta de que em 10h de trabalho está contido 10h de trabalho. A definição mais adequada é força de trabalho, pois o operário não vende diretamente seu trabalho, mas sua força de trabalho como uma mercadoria ao capitalista. Como tal, ao capitalista é dado o direito de dispor dessa força como uma mercadoria qualquer, temporariamente.

A determinação do valor da força de trabalho pode ser medida pela quantidade de trabalho necessário para produzir essa força. Em poucas palavras, esse valor é medido pela quantidade de artigos de primeira necessidade precisos para o sustento do trabalhador e sua manutenção no trabalho.

[A Produção da Mais-Valia]

O capitalista, ao comprar a força de trabalho do trabalhador, adquire o direito de “consumir ou usar a mercadoria comprada”. Ora, se o valor da força de trabalho é determinado pela quantidade de trabalho necessário a sua reprodução, o uso dessa força é limitado somente pela energia vital do trabalhador. O valor dessa força é distinto do funcionamento dela. A quantidade de trabalho que limita o valor da força do operário não é a mesma que limita a quantidade de trabalho efetivamente executado por essa força.

Cada hora a mais trabalhada que não recomponha o salário do operário, é um sobretrabalho, que converte-se em mais-valia. É como se o capitalista, por ser o comprador, tivesse uma relação privilegiada no uso da mercadoria – a força de trabalho humana. Segundo Marx, é essa relação de capital e trabalho que serve de base à produção capitalista.

[O Valor do Trabalho]

Devido ao fato do operário somente receber seu salário depois da realização do seu trabalho e por saber que entrega ao capitalista seu trabalho, “ele necessariamente imagina que o valor ou preço de sua força de trabalho é o preço ou valor do seu próprio trabalho”. O valor da força de trabalho toma a aparência do preço do trabalho e embora se pague somente uma parte do trabalho diário do operário, parece a ele que todo o trabalho foi pago.

É precisamente essa aparência que distingue o trabalho assalariado das outras formas de trabalho desenvolvidas na História. Por exemplo, na escravidão parece ser trabalho não pago até o que efetivamente é pago (sustento diário do escravo), e na servidão as esferas entre trabalho pago e não pago estão devidamente separadas, sabendo o servo que trabalha três dias para si e três dias compulsoriamente a um senhor. A única diferença entre o trabalho servil e assalariado é que “no primeiro caso, o trabalho não remunerado é visivelmente arrancado pela força; no segundo, parece entregue voluntariamente”.

[O Lucro Obtém-se Vendendo uma Mercadoria pelo seu Valor]

Marx descreverá novamente o processo da mais-valia. O Autor enfatizará que esse processo, como já visto, cria lucro somente pelo trabalho. Supondo uma mercadoria que tenha nela contido o valor de 18 xelins, sendo que 6 xelins são produto de força de trabalho e 3 xelins tenham sido a mais-valia, o capitalista deverá vender a mercadoria ao seu valor real, pois assim obterá necessariamente 3 xelins de lucro.

Os “lucros normais e médios” só podem ser conseguidos vendendo as mercadorias pelo próprio valor e não por uma majoração. Somente assim elas podem ter lucro ao mesmo tempo em que são competitivas.

[As Diversas Partes em que se Divide a Mais-Valia]

A mais-valia não é embolsada totalmente pelo capitalista empregador. Ela pode se dividir em três partes: renda territorial (proprietário da terra), juro (capitalista que empresta o dinheiro) e lucro industrial (capitalista empregador). Supondo que o capitalista empregador seja dono do solo e dos meios de produção, toda a mais-valia é por ele embolsada.

Marx enfatiza que as partes da mais-valia, elas próprias, são incapazes de criar mais-valia. São obtidas da parte que “o empregador capitalista extorque ao operário”. Independentemente da parte que ficará para si, é o empregador capitalista que extrairá a mais-valia. O valor da mercadoria que representa o valor das matérias-primas e das máquinas, não gera lucro, mas somente repõe capital.

[A Relação Geral entre Lucros, Salários e Preços]

Se do valor de uma mercadoria há um desconto da parte que repõe capital (matérias-primas e meios de produção) e do trabalho passado nela contido, o que sobra é a quantidade de trabalho incorporado a ela pelo último operário que dela se ocupou. É do valor criado por esse operário que se extrairá tanto seu salário quanto o lucro do capitalista. Portanto, quanto mais um receba menos o outro receberá. No entanto, a variação da proporção lucro/salário não altera o valor da mercadoria.

Marx notará também que o preço das mercadorias não é definido tão-somente pelo tempo de trabalho nelas contido, mas esse tempo em sua relação com as forças produtivas. Uma força produtiva mais moderna permite a incorporação de mais trabalho em menos tempo, ao passo que uma força produtiva arcaica permite menos trabalho em mais tempo. No primeiro caso tem-se a produtividade aumentada significativamente. Dessa maneira, perde a “aparência paradoxal” o fato de trabalhadores que vendem mercadorias baratas receberem bons salários e trabalhadores que vendem mercadorias caras receberem, em geral, maus salários.

[Casos Principais de Luta pelo Aumento de Salários ou Contra a sua Redução]

Marx traçará cinco pontos dos casos principais que envolvem luta por salários.

1 – Quando o valor da força de trabalho aumenta ou diminui. Quando esse valor aumenta, num caso de baixa produtividade o qual necessita mais trabalho por parte do operário para a mesma quantidade de mercadorias, se dispende mais força de trabalho, portanto é necessário maior quantidade de víveres para a subsistência (por exemplo, antes do aumento da força de trabalho gastava-se 3 xelins, após o aumento se precisará de 4 xelins). Nesse caso, cabe ao trabalhador pedir um incremento de salário para que a situação continue como antes. Caso contrário, sua situação piorará.

Quando há um aumento da produtividade do trabalho, o que antes, em gêneros de primeira necessidade, era conseguido em 6 horas, é conseguido em 4 horas, por exemplo. O que antes era comprado por 3 xelins, pode agora ser comprado por 2 xelins. O lucro subiria e a posição relativa do operário diminuiria em comparação a do capitalista.

2 – Um caso de variação do preço em dinheiro, mas não do valor dos artigos. Por conta de uma variação no valor do dinheiro, por exemplo, uma queda à metade do seu preço (quantidade de trabalho em retirar ouro de minas), ocorreria um aumento em dobro nas mercadorias, inclusive no valor da força de trabalho. Portanto, se o trabalho de um operário equivale a 6 xelins, com 100% de lucro, agora equivaleriam a 12 xelins. Portanto, se o salário do operário continuasse a ser 3 xelins sua condição de vida pioraria significativamente. Advogar que não se deve lutar por um aumento de salários num caso desses, segundo Marx, é “pedir-lhe que se resigne a que se lhe pague o seu trabalho com nomes não com coisas”.

3 – Um aumento das jornadas de trabalho. “Quanto mais êxito tiverem as pretensões do capital para alongar a jornada de trabalho, maior será a quantidade de trabalho alheio de que se apropriará”. Partindo desse diagnóstico, Marx elencará casos nos quais o capital excedeu os limites humanos, chegando a jornadas de 18 horas de trabalho (!). Nessa situação, aos operários cabe a tarefa de lutar contra esses aumentos, pois isso é “um dever para com eles mesmos e a sua descendência”.

4 – O capitalismo move-se através de ciclos (calma, animação crescente, prosperidade, superprodução, crise e estagnação). Esses ciclos interferem no preço das mercadorias, embora, de maneira, geral elas estejam sempre próximas do seu valor. O trabalho, por ser uma mercadoria, também está sob efeito desses ciclos. Nos momentos de crise, o operário será obrigado ao diálogo com a capitalista para preservar sua própria subsistência. Da mesma maneira, nos momentos de superprodução, deverá ele participar dessa alta exigindo um aumento de salário.

5 – Em todos os casos considerados, as reivindicações salariais são sempre resultado de modificações anteriores do próprio capitalismo, seja no volume das mercadorias, nas forças produtivas etc. Isto é, as lutas por salários são sempre reações contra ações criadas pelo capital. É impossível debater seriamente a questão salarial sem ter isso em vista.

[A Luta Entre o Capital e o Trabalho e seus Resultados]

O trabalho se encontra equiparado às mercadorias. A partir disso, poder-se-ia dizer que a submissão a lei geral dos preços faria o trabalho sempre ter garantido o seu valor, isto é, o trabalhador ter sempre garantido a sua subsistência. No entanto, o valor da força de trabalho é formado por um limite físico e um limite que diz respeito ao padrão de vida tradicional das populações. A vida de um camponês alemão e de um camponês livônio são muito diferentes, sendo possível que este último viva no limite físico. Entretanto, a vida do camponês alemão pode baixar ao nível do camponês livônio mantendo viva sua força de trabalho, mas de qualquer maneira, o padrão de vida tradicional do camponês alemão é um elemento histórico que contribui na formação do valor da sua força de trabalho.

Esse componente histórico, evidentemente, pode se reduzir ao limite físico. O “máximo de lucro só se acha limitado pelo mínimo físico dos salários e pelo máximo físico da jornada de trabalho”. Em uma expressão, “a questão se reduz ao problema da relação de forças dos combatentes”. A regulamentação da jornada de trabalho, por exemplo, exigiu uma grande ação política dos operários.

Por fim, Marx elaborará diretrizes políticas que concernem à movimentação do proletariado, lembrando que as lutas diárias são lutas contra os efeitos, que tem por objetivo parar a ação do capital, mas não fazê-la mudar de direção. Daí, em contraposição ao “lema conservador” que reivindica “Um salário justo para uma jornada de trabalho justa!”, devem os operários lutar pela “Abolição do sistema de trabalho assalariado”.

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