segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Heróis da resistência


19 de janeiro de 2009. | N° 291AlertaVoltar para a edição de hoje
DOCUMENTÁRIO

DOCUMENTÁRIO AUDÁCIA REVIVE FATOS DA OPERAÇÃO BARRIGA VERDE EM JOINVILLE

Na madrugada de 6 de dezembro de 1975, os membros do Partido Comunista Brasileiro (PSB) Júlio Serpa e Edgard Schatzmann se encontraram na sede da Circunscrição Militar da Região Sul, em Curitiba, detidos sob acusação de resistência contra a ditadura militar. Mais de 30 anos depois, um novo encontro, desta vez no distrito de Pirabeiraba, em Joinville. Os dois foram entrevistados pelo diretor Chico Pereira, que veio à cidade para gravações do documentário Audácia.

Júlio e Edgard estavam entre os 42 presos em Santa Catarina durante a Operação Barriga Verde, ação do governo militar no Estado durante o período de 1975 a 1977. Todos os prisioneiros passaram por Curitiba e depois foram levados à Colônia Penal Urbano Salles, em Canasvieiras, em Florianópolis. A história pouco conhecida ganha agora a visão de Chico Pereira, premiado no programa de fomento DocTV 4 do Ministério da Cultura. Com os recursos, diretor e equipe técnica iniciaram, na semana passada, um roteiro por Criciúma, Joinville e Florianópolis em busca desses personagens.

“Audácia” foca o relacionamento humano dentro da Colônia Penal, que permitia visita de familiares e até pequenos passeios. Ainda assim, as rusgas do passado tornam os depoimentos de pessoas como Júlio e Edgard verdadeiras lições de superação. “O projeto não tem uma intenção política. Muitos dos envolvidos sofrem até hoje de problemas psicológicos e traumas, e sabem da importância desse registro histórico”, avalia Chico.

Em Joinville, sete pessoas foram presas. Entre elas, Edgard Schatzmann, que já havia sido detido outras duas vezes por supostamente incitar a revolta popular contra a ditadura, em 1967 e 1971. “Nesses 20 anos de governo militar, eu fiquei preso ou fugindo. Quando me levaram em 75, tinha uma filha de um ano que nem vi crescer”, relembra. Naquele fatídico dia, o homem de agora 68 anos trabalhava num escritório de administração quando a polícia chegou.

Num porão da Circunscrição Militar da Região Sul, na capital paranaense, Edgard disse ter vivido seus piores momentos. O corpo foi coberto por Neocid, para matar piolhos, enquanto ouvia gritos de dor nas outras salas. “Era uma humilhação. A gente sabia de casos de pessoas que eram estupradas e isso abalava psicologicamente”, conta.

O companheiro de partido Júlio Serpa estava no mesmo grupo. Para ele, trazer de volta as memórias daquele episódio é reviver algumas marcas que ele preferiria esquecer, mas sabe da importância em passar para frente os acontecimentos em torno da ditadura. “É uma coisa complicada, mas o País não pode deixar passar esse fato para ele não se repetir. A democracia de hoje não caiu de madura.”

Os dois ficaram presos na Colônia Penal de Canasvieiras por 11 meses. O local era rechaçado pelos próprios membros do governo militar, que tempos depois prenderam o diretor da prisão Nelson Coelho por dar excesso de liberdade aos detentos. O prédio hoje faz parte do Sapiens Parque, um centro governamental de pesquisas tecnológicas.

A equipe de “Audácia” passou o final de semana em Joinville e retorna hoje para Florianópolis, onde fará novas gravações. O documentário deve ficar pronto em abril e será exibido em TVs públicas de todo o País.

edson.burg@an.com.br
EDSON BURG | JOINVILLE
Multimídia

Fonte: Jornal A Notícia.

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