sexta-feira, 19 de janeiro de 2007

11 de setembro: e a esquerda?




"Os atentados ao WTC [World Trade Center] novamente nos impuseram a necessidade de resistir à tentação de uma dupla chantagem. Se nos limitarmos a simplesmente condená-los incondicionalmente, estaremos dando a impressão de endossarmos a posição gritantemente ideológica de uma inocência norte-americana sob o ataque do Mal que vem do Terceiro Mundo; se chamarmos a atenção para as causas sócio-políticas mais profundas do extremismo árabe, parecerá que estamos culpando a vítima, que por fim teve aquilo que merecia... A única solução apropriada aqui é rejeitar essa oposição e adotar simultaneamente as duas posições, o que somente poderá ser feito se nos valermos da categoria dialética de totalidade; não existe escolha entre as duas posições; ambas são tendenciosas e falsas. Longe de apresentar um caso em relação ao qual podemos adotar uma posição ética clara, encontramos o limite da razão moral: do ponto de vista moral, as vítimas são inocentes, o ato foi um crime abominável; mas essa inocência não é inocente - adotar esta posição de 'inocente' no universo capitalista de hoje é em si uma falsa abstração.
O mesmo se aplica ao choque mais ideológico de interpretações: pode-se alegar que o ataque ao WTC foi um ataque contra tudo por que vale a pena lutar nas liberdades democráticas - o decadente modo de vida ocidental, condenado por muçulmanos e outros fundamentalistas é o universo dos direitos das mulheres e da tolerância multicultural; mas pode-se também alegar que foi um ataque ao próprio centro e símbolo do capitalismo financeiro global. Esta alegação, é claro, não permite a idéia de culpa compartilhada (os terroristas são culpados, mas os norte-americanos também têm parte da culpa...) - a questão é, em vez disso, que os dois lados não são realmente opostos, eles pertencem ao mesmo campo. O fato de o capitalismo global ser uma totalidade significa que ele é uma unidade dialética de si próprio e de seu outro - as forças que resistem a ele por razões ideológicas 'fundamentalistas'"

Slavoj Zizek em As portas da Revolução: escritos de Lênin de 1917, Boitempo, São Paulo, 2005.

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